Numa dessas ruas [Alexandre Herculano], está a “Tentadora”, uma antiga mercearia, hoje transformada em loja, galeria e cowork. “O nome ficou de 1935 e os móveis também, mas nos dias que correm a Tentadora, ainda conhecida pela “Casa Paiva” já não é uma mercearia onde se abastece a cozinha, mas sim uma loja de produtos portugueses que funciona também como espaço de cowork e pequeno museu de objetos antigos. Há dois anos que a loja funciona como uma montra de produtos portugueses, embora inicialmente tenha aberto apenas com o objetivo de ser um espaço de trabalho”, explica-nos Pedro Seixo Rodrigues.
Na loja, decorada com mobiliário e artigos de outros tempos, podemos adquirir artesanato tradicional e artigos que nos fazem voltar à infância, como as caixas de lápis de cor da Viarco.
Mas a atividade de Pedro Seixo Rodrigues não se resume apenas à Tentadora. Conjuntamente com a sua irmã Lara, ambos arquitetos, decidiram que valia a pena dar vida e ao centro histórico da Covilhã. Assim estes dois filhos da terra meteram mãos à obra e com a colaboração de artistas nacionais e internacionais, criaram o festival de arte urbana Woll, que desde 2011 se transformou numa das grandes atrações da cidade.
O WOOL – Festival de Arte Urbana da Covilhã foi o primeiro evento com estas características no interior do País e possui um significativo conjunto de obras de artistas nacionais e internacionais espalhadas pela cidade. Seguir a rota destas criações artísticas é também uma forma diferente de se ficar a conhecer a historia desta cidade.
“Este Festival homenageia o passado da Covilhã como uma das mais importantes cidades produtoras de lã em Portugal, para alem de pretender ser uma das principais referências de arte urbana do país” diz-nos Pedro Rodrigues que nos acompanhou neste périplo pela rota da arte urbana. “O Wool Fest organiza eventos regulares, enchendo as paredes da cidade com pinturas coloridas profundamente relacionadas com o tema da lã. A cidade da Covilhã nunca mais foi nem será a mesma!” diz-nos com uma expressão de felicidade estampada no rosto.
Sendo a Covilhã a cidade da lã, esta é retratada várias vezes, seja no pastor pintado pelos ARM Collective ao lado da Igreja de Santa Maria ou na mulher de três braços que tece a sua própria roupa, pintado por Tamara Alves no miradouro da zona antiga.
Também o fado de Amália Rodrigues, “Covilhã, Cidade Neve”, foi alvo de uma intervenção tipográfica dos Halfstudio, para alem de podermos admirar ainda os bandos de andarinhões de Pantónio e a lenda da Serra da Estrela de Gijs Vanhee.
O tempo tinha-se passado vertiginosamente e a tarde já ia avançada. Tivemos de nos despedir, pois tínhamos ainda outro local muito ‘sui generis’ da cidade para visitar.
Assim, descemos até à emblemática ponte pedonal da Carpinteira, onde mesmo por cima da ribeira que atravessa o vale do mesmo nome encontramos a Fábrica Antonio Estrela/Julio Afonso. Esta antiga fabrica de lanifícios encerrou a sua atividade laboral, mas é hoje um polo dinamizador de criatividade: O New Hand Lab.
Fruto da teimosia e perseverança do seu atual proprietário Francisco Afonso e de sua esposa Ana Almeida (artista plástica), o New Hand Lab, apresenta-se como um espaço que promove a criatividade e as iniciativas dos criadores locais, oferecendo-lhes uma área de trabalho e uma loja onde podem expor e vender os seus trabalhos.
Este laboratório de criatividade onde ainda se respira o cheiro das lãs, dos tecidos a até dos óleos que mantêm algumas máquinas perfeitamente limpas e oleadas, prontas a começar a laborar, se para isso fossem chamadas, junta designers, estilistas de moda, fotógrafos e artesãos, num local onde o passado, vislumbra o futuro numa harmonia perfeita.
Mas também há escultura, fotografia e aguarelas. Uma banda residente de jazz e jovens alunos de cinema da UBI (Universidade da Beira Interior), enchem aqueles espaços maravilhosos, dando asas aos sonhos que povoam as suas vidas.
João Morais Inácio, Miguel Gigante, João Pedro Silva, Guida Rolo e Ana Almeida, são alguns dos artistas que fazem desta fábrica o seu espaço, a sua segunda casa.
Francisco Afonso é o mentor desta iniciativa. Tinha dez anos quando entrou pela primeira vez neste complexo industrial. Viviam-se os tempos áureos dos lanifícios e a Covilhã industrial era um atrativo inquestionável. As brincadeiras de menino eram invariavelmente naquele local e assim se compreende a relação de afeto estabelecida entre Francisco Afonso e o património construído por António Estrela.
Uma das suas ambições é poder enquadrar o espaço numa nova rota da arqueologia industrial da Covilhã.
Francisco Afonso, como alguém já escreveu “é sonhador, cavalheiro e afável, a sua arte é a vontade de fazer e boa vontade de aceitar”. Ele próprio refere, “A fábrica é o filho que não tive. Conheço todos os recantos, todos os degraus, todos os barulhos. Aqui é a minha casa”.
Já era tarde, voltamos ao Pura Lã, para jantarmos. Cansados fisicamente, mas de coração cheio. Afinal a Covilhã não é só a entrada para a Serra da Estrela. A Covilhã tem muito para oferecer e para mostrar a quem a visita. Sem dúvida uma cidade atraente e sexy.