Em comunicado, a Escola de Mulheres torna público o seu “profundo pesar e imensa tristeza” pela “morte de Fernanda Lapa, diretora artística desta companhia desde a sua fundação, em 1995”.
Fernanda Lapa coordenou as comemorações do centenário de Bernardo Santareno, que se assinala este ano. “O Punho”, é a peça com versão cénica da atriz e encenadora, que irá ser levada a palco pela Escola de Mulheres, em novembro.
Transcreve-se o Comunicado da Escola de Mulheres com o percurso e distinções da atriz e encenadora Fernanda Lapa
Fernanda Lapa (1943-2020)
Actriz, Encenadora, Directora Artística da Escola de Mulheres e uma eterna apaixonada pelo Teatro.
Desde cedo que Fernanda Lapa soube que o Teatro seria a sua vida. Começou a encenar muito nova, num meio dominado por homens e tem um vasto currículo nos palcos, na televisão e no cinema.
O seu percurso artístico iniciou-se no T.A.U.L. (Teatro dos Alunos Universitários de Lisboa) em 1962.
Foi fundadora da Casa da Comédia onde se estreou como actriz, sob a direcção do Dr. Fernando Amado, na peça de Almada Negreiros “Deseja-se Mulher”, em 1963. É com essa mesma peça que se estreia como encenadora, também na Casa da Comédia, em 1972.
Em 1979 obtém uma bolsa da Secretaria de Estado da Cultura, que a levou a frequentar a Escola Superior de Encenação de Varsóvia. Nesta escola diplomou-se em Encenação, realizando em seguida estágios no Teatro Laboratório de Grotowski, no Teatro Contemporâneo de Wroclaw e no Teatro Stary de Cracóvia.
Desde então dirigiu espectáculos de Teatro, Teatro-Dança e Ópera tornando-se numa das encenadoras mais conceituadas do país.
Desenvolveu, ao longo da sua carreira, acções pedagógicas na área do Teatro e do Cinema e trabalhou como actriz em Teatro, Televisão e Cinema.
À frente da Escola de Mulheres desde a sua criação, em 1995, sempre afirmou que é na encenação que se sente realizada. Quer na Escola de Mulheres, companhia que fundou, juntamente com Isabel Medina, Cucha Carvalheiro, Cristina Carvalhal, Aida Soutullo, Conceição Cabrita e Marta Lapa, quer fora dela, sempre manifestou activamente o seu interesse pelas questões das Mulheres na Cultura, e não só. Defendeu sempre, pelas suas próprias palavras, que “o Teatro reflecte todas as contradições, avanços e recuos do papel da Mulher na Sociedade Contemporânea. Ao longo dos séculos, a voz das Mulheres foi silenciada em várias áreas, e também na Cultura, e não vale a pena escamotear esta realidade. Sofremos, ainda, as sequelas dessas mordaças, embora muito se tenha avançado, a partir do 25 de Abril em Portugal, pela luta das forças progressistas, mas sobretudo das próprias Mulheres e das suas Organizações.”
Por manifesta vontade de Fernanda Lapa, e das restantes companheiras de Teatro, a Escola de Mulheres nasce com o intuito de romper com o estado de coisas a que estavam remetidas as mulheres no teatro português. Quase nunca nenhum texto de autoria feminina era representado, havia pouquíssimas encenadoras e estas ficavam na maior parte dos casos sempre à espera de serem convidadas pelos Directores das Companhias. A maioria das peças representadas davam da mulher imagens estereotipadas ou idealizadas e os elencos eram maioritariamente masculinos. As actrizes esperavam ser convidadas e nunca tinham hipótese de escolher os textos que gostariam de representar. Na maior parte das Companhias as mulheres tinham funções de secretariado, eram bilheteiras, costureiras ou empregadas de limpeza. Havia muito poucas mulheres em funções técnicas, tais como na Luminotécnica, na Sonoplastia, construção de Cenários, etc., profissões tradicionalmente masculinas. A Escola de Mulheres – Oficina de Teatro nasce como companhia que privilegia, desde a sua criação, o trabalho feminino e que procura dar uma imagem da mulher consentânea com a realidade.
Encenou inúmeras produções de Teatro e Ópera, com textos de Almada Negreiros, Paula Vogel, Caryl Churchill, Tadeuz Rozewitz, Jean Cocteau, Lucia Sanchez, Eurípides, August Strindberg, Per Olov Enquist, Orlando da Costa, entre muitos outros. Nas quais trabalhou com colaboradores como Maria José, Lurdes Norberto, Lia Gama, João Lagarto, Rui Mendes, António Rama, João Grosso, Fernanda Montemor, Glória de Matos, São José Lapa, Manuela de Freitas, Irene Cruz, António Lagarto, Luísa Pinto, Nuno Carinhas, Mário Jacques, Paulo Filipe Monteiro, Sinde Filipe, Ana Bustorff, Manuela Couto, Marina Albuquerque, Sandra Faleiro, Ruy Malheiro, Carla Chambel, Albano Jerónimo, Carla Galvão, Antonino Solmer, Sérgio Praia, Filomena Cautela, Margarida Cardeal, Margarida Marinho, Elsa Galvão, Cucha Carvalheiro, Lucinda Loureiro, Isabel Medina, Luís Lucas, Paula Mora, Maria Henrique, Teresa Faria, Custódia Gallego, Amadeu Neves, Sofia Nicholson, André Teodósio, Adriano Luz, Luís Gaspar, Rogério Samora, Virgílio Castelo, Paulo Pinto ou Ivo Canelas. Na área da Dança colaborou em criações com Francisco Camacho.
No cinema trabalhou com nomes como Artur Duarte, Margarida Gil, Monique Rutler, Luis Filipe Costa, Pedro Senna Nunes, Fernando Vendrell, Jorge Paixão da Costa, Tiago Guedes/Eduardo Serra.
Foi, até Agosto de 2012, Professora Catedrática Convidada e Directora do Conselho do Departamento de Artes Cénicas da Universidade de Évora – Licenciatura e Mestrado; Escola Profissional de Teatro de Cascais (Intérpretes); Universidade Intergeracional (UNIESTE)
NOMEAÇÕES E PRÉMIOS
Nomeada para os “Sete de Ouro” em 1984, 1990 e 1991.
“Sete de Ouro” para a melhor encenação em 1992 e Prémio da Crítica para a Encenação em 1992 com “Medeia é Bom Rapaz”.
Nomeada para os “Globos de Ouro” (Prémio SIC na modalidade de Teatro) em 1996
Prémio Especial “Procópio” em 1999.
Globo de Ouro – Melhor Espectáculo – “A Mais Velha Profissão” – 2005
Medalha de Ouro de Mérito Cultural – 2005
Em 2019 lançou-se na coordenação das Comemorações Nacionais do Centenário de Bernardo Santareno (1920-2020), que tiveram o seu início em Janeiro de 2020 e que foram interrompidas pela Pandemia do COVID-19 e que se prolongarão por 2021, sob a coordenação de Domingos Lobo.
Em 2005, a Escola de Mulheres produziu o espectáculo BernardoBernarda, com excertos da obra de Bernardo Santareno, onde pretendia dar a conhecer ao público o Homem Bernardo Santareno/António Martinho do Rosário. A relação muito próxima e amizade profunda entre Fernanda Lapa e o Autor foi determinante para a concretização desse espectáculo.
Em 2020, Fernanda Lapa quis voltar a celebrar o Autor e o seu carinho enorme pelos marginalizados, categoria em que ele próprio se inseria. Cumprindo a sua vontade, a Escola de Mulheres estreará a 19 de Novembro a versão cénica de Fernanda Lapa da obra O PUNHO.