Faltam poucos dias para se realizarem as provas de marcha atlética e de maratona nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Atendendo aos exemplos recolhidos pelos dados de participação dos atletas nos Mundiais de 2019, em Doha, no Qatar, o Comité Olímpico Internacional e o Comité Organizador Local decidiram colocar as provas de distâncias longas na cidade de Sapporo, capital da ilha mais a norte (Hokkaido) do território nipónico, estatisticamente mais favorável, em termos de condições climatéricas, que a cidade anfitriã de Tóquio.
Contudo, esta decisão de levar as provas de longa duração para 900 km a norte de Tóquio, nunca foi pacífica na altura nem nos tempos mais recentes. Primeiro, porque se afastava do centro de competição, a base mítica dos Jogos, em que a maratona masculina fechava as competições, com chegada em pleno estádio olímpico, antes da cerimónia de encerramento. Depois, porque a ilha de Hokkaido e, especialmente, Sapporo têm dos índices mais elevados de transmissibilidade do Covid 19 com a vacinação da população numa taxa muito baixa. Terceiro, porque este ano têm ocorrido vagas de calor das mais altas dos últimos 21 anos (de acordo com o “The Washington Post”).
Isto levou a que fosse proibida a presença de público estrangeiro ao longo do Sapporo Odori Park, zona onde se realizarão as provas de maratona, 20 e 50 km marcha. Contudo, com a base de incidência a aumentar, também o público local é aconselhado a não assistir no local às provas, o que dá ainda mais uma sensação de “desterro” para algumas das provas mais icónicas e místicas do programa olímpico.
Como se não bastasse, a organização não facilita em absoluto e falhou bastante nas condições que está a disponibilizar às centenas de atletas (e treinadores) que estão em Sapporo. Disso já se referiram o marchador Tom Bosworth (Grã-Bretanha), no seu tweet, perguntando se na semana da competição “será servida alguma comida, não “lama fria”, cebola cozida no vapor ou macarrão parcialmente cozido (citado pelo “The Guardian”), e o meio-fundista neozelandês Zane Robertson (citado pelo site “Stuff”), “parece que estamos numa prisão, num pequeno espaço onde marchadores e maratonistas têm de treinar”!
A delegação portuguesa em Sapporo, toda do atletismo, também tem largas queixas da situação que encontraram, referindo que a comida, efetivamente, tem sido um problema, “mas as constantes reclamações de toda a gente levaram a melhorar um pouco”, confirmou Rui Ferreira, o treinador das maratonistas Salomé Rocha e Catarina Ribeiro.
Todas as delegações têm de treinar num espaço reservado pelas autoridades, numas antigas instalações do Jogos Olímpicos de Inverno (1972), agora “meio” abandonadas, com muito entulho e erva a crescer por todo o lado. Uma zona cimentada com cerca de 400 metros e um circuito externo de 900 metros servem para todo o trabalho dos atletas. “Não é muito fácil gerir a situação, até porque as condições e estado do piso levantam muitas objeções e até são propicias a lesões”, disse Rui ferreira que fala da vigilância apertada, “temos de sair do hotel diretamente para a porta do autocarro que nos leva aos treinos. Se tentarmos dar a volta ao autocarro vem logo a segurança, muito hostil, a levar-nos ao caminho idealizado por eles”.
Mas as apreensões dos técnicos e atletas portugueses prendem-se com outras questões mais práticas. “Não temos solução de comunicação e nem nos deixam ir reconhecer o percurso”, disse Rui Ferreira, que refere que os japoneses são pacientes, ouvem, sem objeção, as críticas e no final… dizem não! Não fogem um milímetro do planeado.
Por isso existe alguma apreensão com o processo dos abastecimentos aos atletas já que não há pessoas suficientes para estarem em todos os postos. “Vamos fazer alguns sacrifícios, ajudaremos na marcha, eles ajudar-nos-ão na maratona, mas vão ser momentos muito difíceis. Já nos disseram que os atletas saem doi hotel duas horas antes da partida e esse será o último momento em que falaremos com eles até ao posto de abastecimento que nos calhar, de onde não poderemos sair até ao final”, refere o treinador, preocupado com as comunicações e com a forma como vão acompanhar a competição. “Não temos comunicação entre nós, não nos deixam sair para comprar cartões de telemóvel u outra forma de comunicação e tivemos de recorrer a um amigo do Paulo Murta que só nos consegue fazer chegar uns routers na véspera da prova”, lamenta-se Rui Ferreira. Em Sapporo apenas estão os atletas (João Vieira, Ana Cabecinha, Sara Moreira, Salomé Rocha e Catarina Ribeiro), treinadores (Rui Ferreira, Vera Santos, Carlos Monteiro e Paulo Murta), a fisioterapeuta (Flávia Souza) e o fisiologista (Amândio Santos).
As provas dos Jogos Olímpicos em Sapporo, previstas para os três últimos dias de competição, serão os 50 km marcha masculinos (a partir das 21.30 horas de quinta-feira, em Portugal), os 20 km marcha femininos, às 8h30 de sexta-feira, e a maratona feminina, a partir das 23 horas de sexta-feira.