O integral dedicado à fadista Maria Teresa de Noronha (1918 – 1993), inclui seis CDs: Em Estúdio, Na Rádio, Ao Vivo; um DVD ‘Na Televisão’ e um booklet de 68 páginas.
A edição de luxo está disponível nas lojas. Nas lojas digitais e streaming, o Integral está disponível em formato triplo: Em Estúdio, Na Rádio e Ao Vivo.
Reproduz-se abaixo um texto de Frederico Santiago sobre a fadista
«Maria Teresa de Noronha nasceu há 100 anos. Não querendo deixar de participar nesta celebração, a Valentim de Carvalho dedica-lhe uma nova edição com todos os seus registos conhecidos. Pela primeira vez são reunidas todas as gravações que fez em estúdio, remasterizadas a partir das fontes originais, complementadas agora por um vasto e surpreendente material inédito, o que aumenta de forma muito considerável um dos mais importantes legados da História do Fado.
A sobrevivência da maior parte deste “novo” material deve-se ao excepcional trabalho de investigação e conservação do património fadista que devemos ao Nuno de Siqueira. Sem ele, e sem as gravações que fez, coleccionou e preservou, e que de forma tão louvável oferece agora ao grande público, esta edição não teria sido possível. Sobretudo, não teria a riqueza que a qualidade artística destes registos lhe acrescenta. Através deles, conhecem-se agora não apenas fados inéditos na voz de Maria Teresa de Noronha mas também numerosas interpretações diferentes de fados que gravou em estúdio, que realçam ainda melhor a inventividade do seu estilar.
Também graças ao coleccionismo do Nuno de Siqueira, e à sua proximidade com a família de Maria Teresa de Noronha, temos agora acesso a todos os seus discos de 78 rpm e ao primeiro dos seus registos, feito em 1939, na Emissora Nacional. Só a sua publicação justificaria esta integral, tal a surpresa que nos causa e o tanto que desvenda sobre a evolução da sua vocalidade – por alguns considerada demasiado refinada, e até demasiado próxima do canto erudito, mas que na sua génese, como se comprova nesses dois fados de 1939, mais castiça não podia ser.
Foi precisamente por estar tão alicerçada nessa matriz fadista que a forma de cantar de Maria Teresa de Noronha pôde evoluir para um canto de grande lirismo, sempre mais litúrgico do que operático, por nada ter de teatral, ainda que fiel a um preceito e a uma técnica, e mesmo assim transformar-se num marco de tradição no Fado.
Muito desconhecida pelas novas gerações, talvez até pela via tradicionalista que sempre escolheu para o seu repertório, Maria Teresa de Noronha continua a ser uma das referências fundamentais desta arte, e o conhecimento do seu legado incontornável para todos aqueles que amam o Fado.
E se no Fado o seu caminho foi sempre o “rigoroso”, na ópera, se a essa arte e a essa técnica se tivesse dedicado, Maria Teresa de Noronha encontraria em Mozart o seu compositor de eleição, não duvido. Não sou original nestas analogias entre o mundo do fado e o mundo da ópera, lembro o texto de um programa de São Carlos, onde Manuel Rio-Carvalho encontrava no estilar de Alfredo Marceneiro o fraseado perfeito para o Nemorino (personagem da ópera O Elixir do Amor), ou Nuno Vieira de Almeida nos fundamentados paralelos que encontra entre os génios interpretativos de Amália e Maria Callas.
Mas mais do que um estilo condizente com o universo mozartiano, o que mais me faz pensar nesse compositor, quando oiço Maria Teresa de Noronha, é a capacidade tão rara que tinha em aumentar a sensação da dor apenas por nunca a gritar. Era essa característica, partilhada com a maior parte das heroínas das óperas de Mozart, da Condessa das Bodas de Fígaro à Pamina da Flauta Mágica, que tornava Maria Teresa de Noronha ainda mais fadista: o requintado pudor que tinha em mostrar o seu sofrer.»