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Viagem Medieval: “Um sentimento, uma identidade”

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Viagem Medieval: “Um sentimento, uma identidade”


Interação, integração e entrega são a base do conceito de “Eu sou Viagem”. O orgulho, o sentimento de pertença e envolvimento das gentes locais têm sido preponderantes para o sucesso da Viagem Medieval e para que, mais que uma “feira de comes e bebes”, o evento seja aquele que mais projeta o concelho de Santa Maria da Feira e que melhor afirma o território no país e no estrangeiro.

Nascida por proposta de duas licenciadas em Turismo, em 1996, a Viagem Medieval começou por ser uma pequena feira dentro das muralhas do castelo. Em 1999, a Federação das Coletividades de Cultura e Recreio do Concelho da Feira une-se à Câmara Municipal na organização do evento e é realizado o primeiro grande cortejo, com a participação de cerca de 400 figurantes.

No ano de 2000, é dado o salto qualitativo com a realização, no Europarque, da Cimeira dos chefes de Estado da União Europeia, nesse ano com presidência portuguesa, sendo o evento alargado a toda a cidade num total de 11 dias.

“Nesse ano tinha que se fazer algo diferente. Fez-se um maior investimento e uma espécie de mega ceia medieval, com grupos de animação, e foram convidados os jornalistas e todos os que davam apoio logístico e técnico à Cimeira. A animação foi de tal maneira, como nunca tinham visto em lado nenhum que a história que é recordada dessa altura é a de um jornalista da CNN, a fazer um direto na torre do castelo, a dizer, muito animado, que aquilo era a melhor coisa que já tinha visto.

A partir daí foi a loucura. O Carlos Martins, que assumiu a direção executiva da Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura e foi um dos responsáveis pela animação do Euro 2004, foi o grande impulsionador da recriação histórica que é a Viagem Medieval e que tem sido um crescendo ao longo dos anos”, testemunha Tiago Gomes Santos, voluntário do evento há 15 anos e que tem a seu cargo o departamento do Rigor Histórico na Viagem Medieval.

Apesar de, em termos de tamanho, o evento ter estabilizado nos 33 hectares, foram várias as mudanças e inovações que ocorreram ao longo dos anos, tendo o ano de 2011 sido um marco na sustentabilidade do projeto que, organizado pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, pela empresa municipal Feira Viva e pela Federação das Coletividades de Cultura e Recreio do Concelho de Santa Maria da Feira, começou a ter entrada paga em determinados horários. Com cerca de 228 mil entradas pagas no recinto, a receita cobriu o apoio da Câmara Municipal que, a partir desse ano, já não investiu orçamento próprio na Viagem.

Associativismo, Profissionalização e Voluntariado

Emídio Sousa, presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, responsabiliza “o grande apoio da população e o quase pleno movimento associativo” para o crescendo da Viagem cujo impacto financeiro ascende aos 10 milhões de euros.

“Hoje a Viagem é um evento que, para além de ter um impacto social tremendo no nosso concelho e no território porque cria um sentimento de pertença e uma ligação à nossa terra, cresceu imenso com o cimento agregador que é o envolvimento do tecido associativo local e não duvido dos efeitos económicos que a iniciativa causa aqui no concelho e nos municípios ao redor”, afirma.

Tiago Gomes Santos também considera a atividade das associações como fator preponderante para a projeção e divulgação do evento.

“As associações têm muita gente ao redor e, como têm muita gente, trazem também muitas outras pessoas. O facto de haver critérios rigorosos na seleção das associações presentes, assim como dos artesãos para a Feira Franca e dos restaurantes, como haver inovação de ano para ano e a exigência da apresentação de um plano de atividades rico, reflete-se na classificação de excelência, por exemplo, que obtivemos nas duas fiscalizações que a ASAE já fez este ano. E essa excelência percebe-se de ano para ano porque o mesmo número de associações que entram é o mesmo número das que ficam de fora, tal é o número de procura intensa que temos.”

O voluntário defende ainda a ideia de empreendedorismo subjacente à de Viagem Medieval como criadora de emprego e novos negócios.

“Aqui as pessoas não se queixam que o negócio corre mal e vê-se um grande empreendedorismo por parte dos próprios vendedores. Se não tiverem um produto original, vão ser aniquilados pela concorrência. Um dos exemplos é o de uma barraca que, no ano passado, vendia fogaças (pão doce típico) e, este ano, estão a fazer e a cozer as fogaças ao vivo. Isto torna-se um win-win porque, por um lado ganha a Viagem por ter uma ideia nova e criativa e os vendedores ganham porque este evento dá uma projeção enorme à sua marca”.

A inovação e evolução necessárias ao longo das várias edições do evento originaram um novo fenómeno: o da profissionalização de algumas atividades inerentes à Viagem Medieval porque, segundo Tiago Santos, “Algumas pessoas vieram para cá e ficaram tão envolvidas com isto que a carreira profissional delas acabou por ser esta. Isso é evidente nos grupos de animação e no constante investimento que fazem na inovação, nos próprios estudos, na caracterização” e Rui Paixão é um dos maiores exemplos desse fenómeno.

Tendo começado como voluntário na Viagem Medieval, o artista de 21 anos foi, no ano de 2015, a revelação do Imaginarius, principal referência do Teatro de Rua em Portugal e conquistou um lugar na rede de artistas para novas produções do maior circo do mundo, o Cirque du Soleil.

E, tal como Tiago Gomes Santos e Rui Paixão, muitos são os que se iniciam na Viagem Medieval através do voluntariado, havendo uma formação histórica específica consoante a personagem ou função atribuídas, depois de ultrapassado o processo de candidatura.

“Os voluntários podem ser desde dar apoio à segurança dos eventos, aos estar nos postos de informação, na venda de bilhetes ou podem ser figurantes. Este ano temos cerca de 400 voluntários e temos sempre que ter duas vertentes que são o de haver pessoas experientes, como amigos meus que fazem isto há 10 anos, e depois escolher miúdos, a partir dos 16 anos, que, por exemplo, tenham componentes de integração social mais complexa. É uma experiência final brutal porque vês miúdos que, inicialmente, tinham problemas de integração a conhecerem e fazerem amigos para o resto da vida por causa da intensidade com que vivem estes dias. Tenho a certeza que grande parte das pessoas que faz isto, não o faz pelo dinheiro que possam ganhar, mas sim pela experiência e o segredo é esse: tu identificas-te com isto”.

Para o presidente da Câmara, Emídio Sousa, essa identificação é “algo natural num evento que nasce da vontade e da entrega de muitos” e afirma que “costumamos dizer que já existe uma “geração da Viagem”. Já são 20 anos e atravessam todas as gerações, há jovens que já nasceram com a Viagem e veem isto com uma grande naturalidade na sua vida e no seu dia-a-dia”.

A 20ª edição da Viagem Medieval, que decorre até ao próximo dia 7 de agosto, é dedicada ao “Reinado de D. Dinis, o plantador de naus” e contempla 16 espectáculos inéditos e ainda 1.500 performances de animação circulante, estando previstos cerca de 600 mil visitantes.