No artigo recém-publicado e intitulado “À descoberta da Serra da Estrela pelos seus trilhos” demos conta de outros trilhos, outras paisagens outras belezas que nos extasiaram e evidenciam que há muito mais para além de neve na Serra da estrela.
A caminhada, desta vez, começou pelo planalto superior, maioritariamente rochoso, marcado por fortes ventos e nevoeiros cerrados, sendo seco no Verão e gélido no Inverno e com a ausência de vegetação de porte arbóreo. Moldado por uma calote de gelo permanente que terá atingido os 80m de espessura, nesta área de sobrevivência hostil destaca-se o resistente Zimbro-rasteiro, com as suas bagas negro-azuladas e algumas espécies de urzes que quando floridas, constroem um verdadeiro mosaico de cores.
Estamos no habitat da Lagartixa-de-montanha, um dos mais importantes endemismos da Estrela. Existente somente no planalto superior da Serra da Estrela, esta espécie, está seriamente ameaçada pelas eventuais catástrofes ambientais. Como curiosidade destacamos a alteração de cor para um verde azulado durante o período de acasalamento e reprodução.
Este trilho leva-nos pelo Covão da Clareza, um vasto cervunal, outrora local de destino dos rebanhos estivais que nesta Primavera ranúnculo, pequenas florinhas, que cobrem de branco os pequenos charcos e confere um cenário pitoresco e de beleza incomparável.
Nas Lagoas da Salgadeira de Baixo e Salgadeira de Cima, o sossego implícito pelas águas serenas destas lagoas naturais formadas pela existência de fraturas nas rochas, provocadas pelo movimento da massa de gelo do glaciar que criou depressões, e abastecidas pelas águas que provêm da precipitação e do degelo da Primavera. Espécies a Rã-verde e a Rã-ibérica formam aqui comunidades interessantes, cujo som nos embala para verdadeiros momentos de descontração.
À nossa frente, o Vale da Candeeira, de origem glaciar, é um dos últimos refúgios da pastorícia tradicional da Serra da Estrela. Com poucos acessos e encrostado no planalto superior, ostenta o claro e típico perfil retilíneo dos vales glaciares. Este vale demonstra o que a Serra da Estrela tem mais de selvagem e genuíno, assim como o “Cântaro Gordo”, que se destaca claramente da paisagem geológica da Serra da Estrela. Varrido pelo vento, pelo gelo e outros agentes erosivos, deixa-nos uma memória de grandiosidade e ostentação. Na Primavera e Verão, a rudeza do Cântaro Gordo é deixada para trás, quando este se mostra “pomposo” com uma cor amarelada, que cintila à frente dos nossos olhos, reflexo de pequenas comunidades florísticas de Piorno-da-Estrela e Caldoneiras, que fazem dele o seu berço.
Baixando os olhos, deparamo-nos com a Lagoa do Peixão. Detentora de uma beleza ímpar e de um enquadramento único que reflete nas suas águas cristalinas. Situada no coração da Serra da Estrela, as suas águas ligeiramente ácidas e a carência de oxigénio, tornam a decomposição de restos de animais e plantas muito lenta, constituindo um habitat excecionalmente escasso no nosso país. É nesta complexa rede de lagoas glaciárias situadas acima dos 1400 metros de altitude, o único “lar”, em Portugal, de várias espécies florísticas aquáticas, da qual se destaca a relíquia artico-alpina Espadana-de-folhas-estreitas, presente somente em seis lagoas do planalto superior.
Tinha chegado ao fim, um dia fantástico com todos os condimentos incluídos: um tempo excelente, uma paisagem deslumbrante, gastronomia de topo e uma natureza de meter inveja.
Todo este maciço conta uma história de glaciares, de erosão, de povoamento humano, de biodiversidade e de tradições. O branco da neve tem a sua beleza, mas porque não ir à serra na Primavera, Verão, ou mesmo no Outono e deixarem-se encantar pelas cores vibrantes, escutar a água a correr nos ribeiros e dar uns mergulhos em algumas lagoas de águas límpidas e serenas.
Lendas e histórias antigas, usos e costumes destas terras inóspitas, assim como a sua espantosa gastronomia, certamente irão reforçar o propósito de regresso, em breve.
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