Benjamim, conhecido por Luís Nunes, é um filho da noite: das luzes néon que brilham e dos copos que parecem não ter fim. Várias são as histórias que Benjamim carrega consigo perdido em bares no Cais do Sodré, ou a descer as ruas do Bairro Alto com uma bebida na mão. Faria, desta forma, sentido que fosse uma questão de tempo até desborcar tais memórias na sua música. E assim nasceu Vias de Extinção, o mais recente disco de Benjamim, editado em setembro deste ano. Com várias referências estilísticas aos anos 80, este trabalho é uma ode às noites sem fim que Lisboa proporcionou a Benjamim: contos de chegar a casa às cinco da manhã e de pegar, de forma quase instintiva, num sintetizador, numa guitarra, ou talvez contentar-se com uma caneta e um simples pedaço de papal. Mas há aqui mais pano para mangas: o que transparece a imagem de um folião mascara na verdade toda uma camada mais introspetiva e sorumbática.
Afinal não é o álcool nem as luzes frenéticas que curam os pesos que habitam na nossa cabeça e no nosso coração. Benjamim [Luís] não queria fazer um álbum nostálgico, mas também não queria que fosse oco: queria que a companhia dos amigos, da bebida e dos estranhos com quem roçamos pele em quartos escuros fossem uma aprendizagem pessoal e não uma lição universal. O processo de cura não se faz em linha reta, mas sim com uma excelente banda sonora e Vias de Extinção é prova viva e vivida.
O aNotícia.pt falou com o artista de 35 anos no festival FNAC Live, que aconteceu no último sábado, dia 2 de outubro, onde Benjamim marcou presença.
Parece um pouco estranho falar contigo sem abordar a inevitável e monstruosa questão da pandemia. Sei que este novo disco não foi feito, nem pensado, com o confinamento em mente, mas estes concertos foram? Como se aborda agora um público?
Estes concertos não foram pensados sem pandemia em mente. A pandemia aconteceu e agora um público aborda-se de forma diferente, sim. Aliás, nós ainda estamos a aprender. Demos poucos concertos, mas fizemos aqueles obrigatórios quando saiu o disco com o público todo separado e de máscara. Agora de repente tem de se estar de máscara, mas já podemos estar juntos – que é o que nós queremos. Portanto, agora estamos maluquinhos para perceber o que vai acontecer porque temos muitas saudades de tocar assim.
Há assim uma grande diferença na maneira como o público se comporta ou mesmo como aborda agora um espetáculo ao vivo?
Sim, sem dúvida. Estão reféns de estar num lugar marcado, afastados dos namorados e das namoradas. Quer dizer, a partir de ontem [dia 1 de outubro] já nem tanto, mas até agora sim. Eu ainda não tive a experiência de como vai ser a nova abordagem, sabes? Há a velha abordagem, que é estar tudo separado e de máscara, e agora vamos ver o que vai acontecer. Espero mesmo que seja a loucura.
Este disco foi inspirado na noite lisboeta, algo que te foi tirado – a ti e a todos nós – durante estes últimos tempos. O que há essencialmente na noite de Lisboa?
O que há ou o que havia? [risos]
Este disco acaba por ser um retrato quase arqueológico da noite lisboeta, e agora que volta, tenho a certeza de que vai ser uma coisa completamente diferente. A noite de Lisboa é a minha noite, é a noite que frequento mais; sou uma pessoa que gosta de sair à noite, sempre gostei de dançar e de ir para bares e discotecas. Lisboa, antes da pandemia, era uma cidade interessante para se sair, de estar com pessoas. Mas agora tudo mudou.
Parece que o Vias de Extinção foi feito para as saídas à noite, devido essencialmente à sonoridade. Há muita vida no álbum, mas parece que também há muita amargura. É um dos casos onde a letra é antagónica à música?
Sim. Ao mesmo tempo que este é um disco muito inspirado na noite, que é uma coisa um pouco vazia, não é? A diversão por diversão não é nada. Mas passa também a ideia de que estás perdido na noite – foi mais o que aconteceu. Neste sentido, é um disco muito autobiográfico, é um disco bastante pessoal. Foi uma fase da minha vida – que não é a fase onde eu estou hoje em dia -, em que eu ia de facto sair muitas vezes à noite e estava num estado meio depressivo e perdido.
…Há uma espécie de catarse na noite?
Não há catarse nas noites, mas sim na escrita destas canções depois da noite. Muitas destas músicas foram o fruto de eu chegar a casa às três, quatro, cinco da manhã, e chegava, punha os fones e tentava buscar os sons que ainda ecoavam na minha cabeça da pista de dança, ou de qualquer outra coisa.
É interessante porque este tipo de sonoridade e estética dos anos 80 parece que estão a passar por um revivalismo, especialmente naquilo que se faz lá fora. O que te fez escolher este tipo de produção?
Eu tentei que este não fosse um disco retro. Eu uso sons, sintetizadores analógicos, que realmente nos remetem logo para os anos 80, até porque é o tipo de timbre que os instrumentos têm e eu também gosto disso. Eu nasci nos anos 80, por isso há todo um lado de quase retorno à infância. Mas eu não queria que este fosse um disco fetichista dos anos 80, desse mesmo período.
É nostálgico?
Tem um bocado de nostalgia, claro, penso que a nostalgia faz parte. Mas eu tentei que os sons que uso tenham uma aplicação mais atual, que vistam algo que é do meu tempo, pois não quero sentir que é um disco antigo. É distante dos meus discos anteriores, de facto. Eu sempre fui ligado ao teclado e em todos os meus trabalhos há sintetizadores, mesmo naqueles que têm as canções mais acústicas, como o “Terra Firme”, onde o baixo é um sintetizador (não há realmente um baixo. A batida é um loop gigante que fizemos em cassete). Este disco é extremar um pouco a ideia de produção dos outros discos.
Há espaço para explorar e aprofundar ainda mais este tipo de som ou já pensaste em te aventurar por outros registos?
Eu tenho um disco perdido que não acabei, que cai entre o 1986 e este álbum, que é mais eletrónico e instrumental. Gostava de o acabar e de o lançar, portanto acho que não me está a apetecer sair desta estética tão de repente e ir para uma coisa completamente diferente. Por outro lado, não sei o que vai acontecer realmente.
Tendo em conta a carga pessoal do álbum, que lição mais importante tiraste dos teus 30?
Bem, eu tenho 35, por isso já aprendi mais coisas nestes cinco anos. A maior lição…sei que isto pode parecer um cliché, na verdade, mas nós realmente não sabemos nada. Mais: eu estava numa fase interessante da minha carreira quando apareceu a pandemia; ou seja, estava a fazer este disco e estava-me a sentir muito entusiasmado com a banda a crescer, o meu trabalho, e uma com isto tudo uma pessoa começa a fazer planos. Assim no nada, cai-te a pandemia e tudo desaparece. Isto aconteceu a toda a gente. Nós achamos que controlamos o nosso destino – neste caso, no sentido do trabalho – e na verdade é que tu podes trabalhar muito, mas não sabes se vais ser atropelado, se há um terramoto e tudo desaba, ou qualquer tipo de acidente. Estes últimos anos tenho levado várias lições dessas: as pessoas que desaparecem, amigos que ficam doentes. São nestas situações que percebemos o quão frágil tudo isto é. Nós não sabemos nada e isso fez-me relaxar um bocado perante a vida.
Vai haver espaço para uma devida catarse nestes próximos concertos, especialmente hoje?
Espero bem que sim; fogo, então não? Estou cheio de pica para ver o que vai acontecer [risos].
No artigo FNAC Live 2021: O dia 0 para a música portuguesa sem restrições poderá saber como decorreu o concerto de Benjamim.