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Super Bock em Stock – Dia 2: Esta música espanta todos os males e até mesmo a chuva

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Super Bock em Stock – Dia 2: Esta música espanta todos os males e até mesmo a chuva
Super Bock em Stock – Dia 2: Esta música espanta todos os males e até mesmo a chuva - © Armando Saldanha (Aldrabiscas)

A meteorologia apontava para uma noite chuvosa e friorenta: um cenário pouco idílico para o segundo dia do Super Bock em Stock e para todos os visitantes que, por mais uma vez, percorriam as ruas e os cantos da capital. Mas a música falara mais alto e, apesar de umas pingas aguarem alguns dos casacos impermeáveis, foi apenas um sinal fugaz. A Avenida encheu-se por quem seguia a música pelas várias salas de espetáculos lisboetas – ou por quem queria mesmo uma desculpa para sair a um sábado à noite. O aNOTÍCIA percorreu Lisboa de cima a baixo neste que foi o segundo e o último dia do festival. Conheça o nosso itinerário.

20h05 – Avenida, saída do metro

Lila terminara há pouco o seu concerto no Cinema São Jorge e à saída já as ruas, acesas com luzes natalícias, eram preenchidas por pessoas. Faria sentido dizer que ritmo acelerado e desinquieto teria voltado à cidade, mas a verdade é que nunca se foi embora – ouvia-se burburinhos entre os quiosques, cervejas a serem tiradas nas máquinas e buzinas a castigarem quem atravessava a estrada sem olhar para o semáforo. O Super Bock em Stock não foi a premissa essencial para uma saída à noite; no entanto, era a razão de que mais se falava. A esta hora, seguíamos para Monday, na Sala Santa Casa: um sítio escondido, e fácil de passar despercebido. Mas o truque é seguir o padrão de cor vermelha que todos os recintos têm em comum – e, claro, descer a Avenida.

20h15 – Monday, Sala Santa Casa

A música de Monday, nome artístico de Catarina Falcão, é o equivalente a um longo abraço: a um casaco de lã numa tarde fria e taciturna de inverno. Ela traz todas as incertezas e temperamentos da sua geração aos ombros, e projeta-os de uma forma tão aconchegante, passando a ideia de que talvez a vida não seja tão pesada. O bedroom pop do EP Room For All fez-se sentir num cenário hipnótico e melancólico, acompanhado por um pequeno jogo de luzes e uma tímida máquina de fumo. Falcão mexia-se como uma jovem Rachel Goswell, quer na maneira como manuseada a guitarra, como quando intercetava a audiência com um olhar compreensivo e sereno.

Ela cantou sobre própria vida, o próprio corpo, a própria existência – “Little Fish” é sobre o peixe de estimação com duas semanas que pereceu, mas o significado acaba por ser mais do que isso; “Room for All” relata as inseguranças que sentiu quando chumbou a sociologia, mas não fica só por aí. Monday parte do mundano para o universal num pestanejar e a sala da Garagem EPAL presenciou tal mudança. 

O problema é quando se torna em algo demasiado envolvente; talvez a meio, Monday se tivesse perdido na sua própria autocomiseração e tenha esquecido de que estava em palco: várias eram as pessoas que iam buscar mais bebidas, que trocavam entre elas palavras ou punham a conversa em dia, fazendo com que a música se tornasse cada vez mais um plano de fundo. A atenção voltou quando Samuel Úria subiu ao palco para um dueto surpresa: “Cedo” foi um momento doce e a roçar a música country.

Monday
Monday – ©Armando Saldanha (Aldrabiscas)

 21h15 – Elas e o Jazz, Sala Ermelinda Freitas

Na Praça da Alegria, o hotel Maxine é conhecido pela apresentação luxuriante e pelos famosos espetáculos de cabaret e burlesque. Dificilmente se adivinharia que serviria de palco para a edição deste ano do Super Bock em Stock.

A sala Ermelinda Freitas recebeu de um verdadeiro revivalismo da estética dos anos 20. Era altura de jazz e ninguém o canta como Elas – elas sendo Joana Machado, Mariana Norton e Marta Hugon. Estas três vozes percorreram o grande livro do jazz que marcou eras, culturas e vontades: a abertura foi feita com o tema de 007, “Goldfinger”, de 1964; passaram depois para “Anything Goes” e “The Lady Is a Tramp”. No entanto, o que mais sobressaiu foi mesmo a personalidade cativante das três, que brilhava em momentos tão inócuos, como um riso não planeado, um acorde antecipado, uma pausa para beber água – o palco e a noite pertencia somente a Elas.  

“Durante tanto tempo o jazz era sempre deles, mas agora é d’Elas. Fazem-nos parecer como mulheres frágeis – e nós somos, atenção –, mas somos primeiro mulheres fortes e independentes”, disseram em risos, mas com um objetivo certeiro.

Este era o tipo de espetáculo apropriado para um sábado à noite, que nos faz esquecer o tempo frio lá fora, que nos faz perder na imprevisibilidade dos sons e na beleza do ambiente. Mas há mais para ver e um nome de peso estaria prestes a subir ao palco do Super Bock em Stock.

Elas e o Jazz
Elas e o Jazz – ©Armando_Saldanha (Aldrabiscas)

21h53 – A descer (mais uma vez) a Avenida

Notou-se aqui já um movimento mais apressado por parte das pessoas que desciam a Avenida da Liberdade. Possivelmente iriam todos para o mesmo: Iceage estavam entre nós e prometiam um dos concertos mais aguardados desta noite de Super Bock em Stock.

22h00 – Iceage, Coliseu dos Recreios

A banda dinamarquesa é conhecedora das várias salas portuguesas. Desde 2013, passaram pelo ZDB, pelo Hard Club e marcaram presença no festival Paredes de Coura. No entanto, a relação com Portugal tem crescido nestes últimos tempos ao ponto de Sheek Shelter, o álbum editado este ano e apresentado na noite de sábado, ter sido feito em Lisboa, nos estúdios Namouche.

Mesmo num ambiente mais ou menos familiar, e com sala cheia, a frieza inerente à música dos Iceage não foi esquecida. A brutalidade post-punk fez espantar todos os espíritos do recinto e acordar uma plateia para memórias que não eram vividas há algum tempo: houve várias cabeças a abanarem, gritos desconcertantes, pessoas às cavalitas e ainda um pequeno mosh-pit em “Catch It”.

Tal frieza notou-se também nas poucas palavras pronunciadas pela banda. Em uma hora de concerto, e entre olhares perfurantes de Elias Bender Rønnenfelt, o vocalista, Lisboa não recebeu mais do que uns poucos “thank you” ditos entre goles de cerveja. O ambiente gótico sentiu-se ao longo da própria discografia: “Painkiller”, de Beyondless, “The Lord’s Favorite”, de Plowing Into The Field of Love, arrepiaram a espinha, e deixaram um sabor amargo, mas desejado entre o público. Mas foi em “White Rune”, já no fim, que a banda agarrou com firmeza quem se atrevia a chegar mais perto do palco.

Iceage
Iceage – ©Armando Saldanha (Aldrabiscas)

23h21 – Rua do Jardim do Regedor

Já no final da noite, haviam ainda restaurantes abertos e bebidas a circular. As temperaturas baixas do norte da Europa seriam seguidamente combatidas por uma frente de ar quente, mas ainda faltavam uns bons minutos para o próximo concerto. Primeiro, era necessário (mais uma vez) subir a rua e seguir caminho para o Cinema São Jorge. Lá, várias eram as pessoas que aproveitavam para pôr a conversa em dia em grupos espalhados pelo recinto, sendo a varanda um ponto de encontro bastante apelativo. Por esta altura, Priya Ragu aquecer-se-ia e por bons motivos: a noite em Lisboa fecharia com calor e muita dança.

23h45 – Priya Ragu, Cinema São Jorge

Priya cantou em “Kamali” que 2020 seria uma reviravolta. E enquanto passámos praticamente o ano sem discotecas ou bares abertos, o concerto da artista tâmil foi uma verdadeira forma de matar saudades. Em cima da mesa estava a mixtapelançada este ano, Damnshestamil, que combina as batidas cálidas e contagiantes do R&B, a irreverência do trap e sem esquecer a rica tapeçaria da música sul asiática.

Apesar da falta de experiência, Priya falou com o público como uma verdadeira estrela pop, sabendo perfeitamente como se mexer em palco e o que pedir de uma plateia: “para esta próxima música, quero uma luz de palco mais suave. Pode ser um azul ou um roxo? Como é que se diz roxo em português?”, perguntou antes de “Deli”. As músicas, da mesma forma, foram recebidas como se tivessem sido tocadas nas rádios o ano inteiro – algumas até seriam facilmente candidatas a hinos de verão.

A meio espetáculo, foi prestada uma homenagem às grandes influências de Ragu, como forma de agradecimento por terem aberto o percurso da artista. “Superstition”, de Stevie Wonder, “Just Friends” de Soulchild e ainda “What They Do”, dos The Roots, funcionaram como uma espécie de rapsódia que facilmente se amalgamou aos próprios temas dela. Mas voltando a Ragu: “Good Love 2.0”, “Lockdown” e “Lighthouse” foram momentos altos, que dificilmente mantiveram o público colado às cadeiras do São Jorge. Houve ainda espaço para um encore, com “Chicken Lemon Rice”, e perante uma sala incansável e rumorosa, Priya saiu de cena de coração cheio e ao som de “Touch the Sky”, de Kanye West. Talvez seja cedo para fazer previsões, mas se continuar assim, então é precisamente o que poderá fazer. 

Priya Ragu
Priya Ragu – ©Armando Saldanha (Aldrabiscas)

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