Entre a Serra da Estrela na Cova da Beira, a quinta da saudade…
O sol espraiava-se sobre a majestosa Serra da Estrela e na sua vertente refletia-se, como sempre, a Cova da Beira. Terra moldada ao longo de milhões de anos pelo Rio Zêzere, conhecida pelas terras férteis e pastagens verdejantes. Aqui existe um espaço que reúne todo um saber e uma tradição que se confunde com a nossa própria história, que nos individualiza de qualquer outra região de Portugal: a cultura pastoril.
A caminho…
Prometi aos meus convidados uma experiência única, um programa turístico exclusivo e em contacto próximo com as nossas raízes e com aquilo que somos. Era isso que pretendia transmitir, pois as boas memórias só se relembram se as experiências forem especiais. Saídos da Covilhã, chegámos à tão afamada Quinta do Tapado. A anfitriã e amiga Ana estava à nossa espera e rapidamente conquistou os meus convidados com a sua simpatia, riso contagiante e um gosto interminável de mostrar a sua quinta de família.
Conversas pastoris
Ouvíamos o cantarolar do pastor algures na quinta, quase ao ritmo dos chocalhos das ovelhas que guardava e que concorria com o cântico ininterrupto dos pintassilgos, dos pardais e dos tentilhões que nos miravam das árvores. Fomos ter com ele, apresentando-se com o seu colete de burel, o seu chapéu e fiel cajado que o ajuda nas largas caminhadas pela propriedade. Conversa para aqui, conversa para ali, o tempo fluía com uma velocidade estonteante. Contou-nos as aventuras do seu avô, também pastor, quando este participava na transumância, movimentos migratórios comuns em zonas de montanha e das suas noites em claro, em que sentia o bafo dos lobos em redor e cujo fiel amigo Cão da Serra da Estrela era a única linha defesa que existia.
A tosquia
Acompanhámos o rebanho como se uma migração se tratasse à casa da tosquia. A aproximação da época estival traz consigo o aumento da temperatura e, tal como num serviço de manicura, as ovelhas, carregadas de lã, são aliviadas do peso e preparam-se para mais um verão. Um trabalho somente para pastores experientes, mas empolgante para quem vê. Ajudámos a apanhar e carregar a lã, numa experiência turística muito terra-a-terra. A lã, esse produto tão identitário desta região, motor económico durante séculos, ao mesmo tempo que faz parte da história e evolução do homem na forma como se protegia dos elementos da natureza.
A ordenha manual
Toca o sino, todo o rebanho segue a rebate para a sala da ordenha. Está na altura de extrair o leite, fundamental para produzir uma das Sete Maravilhas da gastronomia portuguesa. Um momento de gargalhadas, fotografias, vídeos e boa disposição para crianças e graúdos, quando tentámos ordenhar recorrendo apenas a nossas mãos. Enchendo lentamente um balde típico, a que chamam ‘picheiro’, fomos dando conta do recado e é nestes momentos que nos apercebemos do trabalho árduo que as ‘pessoas do campo’ tinham para colocar nas nossas mesas autênticos produtos de ‘elite’.
O diamante aqui chama-se ‘queijo’
Perto da lareira onde o leite é aquecido, fala-se de sorriso na cara do queijo da Serra da Estrela. Aqui, feito totalmente à mão, como no tempo dos nossos avós que, tal como nós, receberam também eles os seus segredos e dizeres dos seus antepassados. Olhamos, todos mexemos, todos tentamos fazer o nosso queijo. “É o meu e, por isso, é o melhor do mundo” dizemos cada um de nós. É uma arte que se estende no tempo, o que torna este momento tão especial e gratificante. A nossa história é um dos pilares da nossa riqueza cultural.
A saudade
Mas os nossos anfitriões não queriam deixar por menos. Depois de um dia em grande, na quinta, há melhor sensação que terminar um por-do-sol com degustação de produtos da quinta, com todos os intervenientes desta aventura por terras da Serra da Estrela e da Covilhã? Não há, pois não? Esta é apenas uma das razões de quando, já nos afastávamos da quinta, com esta a ser ofuscada com o pó do caminho de terra e a perder-se no horizonte, sentirmos aquele aperto no peito a que chamamos ‘Saudade’. A saudade de voltar…
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