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Serra da Estrela: Pastor, o último dos nómadas

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Serra da Estrela: Pastor, o último dos nómadas
Serra da Estrela: Pastor o último dos nómadas - © Nuno Adriano

Serra da Estrela: Pastor, o último nómada

São os últimos ‘sobreviventes’ dos outrora pastores transumantes, aqueles que percorriam centenas de quilómetros, que atravessavam fronteiras administrativas e até regiões; que suportavam tempestades e privações de vária ordem, sempre com um objetivo e foco comum: fornecer aos rebanhos pastos verdes e frescos, fundamentais para a sua sobrevivência.

O porquê do meu interesse?

A personagem histórica do pastor, sempre puxou pela minha curiosidade, estando eu radicado na região da Serra da Estrela, não só pela sua atividade de carácter pitoresca e diretamente ligada com a natureza, mas também por serem autênticos ‘antros’ de histórias de vida, motivadas pela sua vida isolada, quase marginalizada enquanto vagueavam por territórios inóspitos e apenas por contarem com a sua sabedoria e capacidade de resolver problemas por si próprio quando andavam nas ‘lides’.

Pela Serra da Estrela á procura dos pastores e seus rebanhos…

Num dia típico de Verão começo a caminhar em plena Serra da Estrela numa autêntica missão de descoberta, sempre apelando à minha audição para detetar o som característico dos rebanhos de ovelhas e algumas cabras. Amplificados pelos vales e circos glaciários tão característicos do planalto superior da Serra da Estrela, eis que se propaga no ar esse som tão próprio dos chocalhos, acompanhados do som intermitente da voz do pastor que, com a sua fala, as conduz por um oceano de pastagens e rochas.

Os cães fazem o seu trabalho. Dão conta de um elemento estranho na paisagem a aproximar-se. A sua imponência e majestosidade revela a génese da existência do Cão Serra da Estrela: a proteção contra as alcateias de lobos que, bem organizados e de estrutura hierárquica bem complexa, estavam sempre a aguardar por uma oportunidade para desferir um ataque surpresa e assim saciarem a sua fome.

Conversas pastoris…

De ânimos ‘menos exaltados’, os cães aceitam-me no seu território e lentamente me aproximo do nosso pastor serrano, ainda vestido de algumas das vestes tradicionais que resistem ao tempo dos materiais “modernos”. Uma saudação de bons dias e a conversa começa a fluir de forma progressiva e agradável. Uma panóplia de temas que surgem em catadupa, baseada em histórias e peripécias do seus dias e noites como pastor na Serra da Estrela, umas de carácter mais divertido, outras de lirismo e outras tantas onde o perigo chegou a roçar.

Tradição que resiste ao tempo…

Todos e consecutivos verões, o nosso pastor preserva a tradição, trazendo os seus preciosos rebanhos rumo às pastagens de verão no Planalto Superior. Já o seu avô foi pastor, o pai também o é e o destino assim quis que se perpetuasse este legado, inteiramente ligado à paisagem de serrania da Estrela. É a vida que idealizava?  -questionei. O sorriso rasgado parecia ser de satisfação, mas os olhos não enganam minimamente, acompanhado daquele olhar que não diz nada mas, que ao mesmo tempo, diz tudo de forma clara e concisa. E então o silêncio continuado compõe definitivamente o ‘ramalhete’.

Romantismo moderno?

Interligando com a minha atividade profissional, o símbolo pastor e o seu trabalho é ‘vendido’ também como um produto turístico baseado e envolvido numa redoma de nostalgia e romantismo. É também catalogado como algo ligado à terra, aos nossos antepassados, de grande rusticidade e com uma forte conotação religiosa. Contudo, revela-se completamente inversa à visão que hoje, no mundo moderno, temos de vida fácil, com acesso a tudo de forma instantânea e simples.

‘Não é uma vida nada fácil’, confessa o nosso amigo. Fisicamente dura, marcadamente isolada, mesmo que o telemóvel e a rádio atenuem os dias que parecem nunca findar. Financeiramente é parca mas mesmo assim, o íman do legado familiar desta vida calcorreando a montanha e que tem, em si mesma, o sinónimo de liberdade, continuam a ter um poder de atração que não consegue explicar. Penso para mim: é provavelmente uma liberdade que aprisiona…

Na hora da despedida

Como bom pastor, detém na sua memória alguns conhecimentos empíricos de astronomia e geografia. É assim que gere o dia-a-dia, onde este é controlado pelo sol  e outros astros e pelos acidentes geográficos que se revelam na paisagem e que servem de orientação, tal GPS de última geração.

Está na hora de regressar ao redil instalado nas proximidades do planalto da Torre, onde vai deixar o rebanho durante a noite. Agradeço-lhe a paciência de me aturar e com um bem-haja, tipicamente beirão, cada um segue a sua vida.

São estes os homens que estão na raiz da fundação da grande maioria das nossas localidades serranas. Foram eles que constituíram as primeiras comunidades na orla da Serra da Estrela, aproveitando as vantagens que este território oferecia: pastagens, água e madeira. Séculos após séculos constituíram uma cultura ainda existente e identitária do imaginário coletivo das aldeias, vilas e cidades na orla da Estrela.

 

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