Peixão: a lagoa da infinita paixão na Serra da Estrela

Quando pensamos já termos apreciado as maiores e mais recônditas belezas que a Serra da Estrela encerra, somos surpreendidos com lugares como o da Lagoa do Peixão, aquela que talvez seja a mais bela lagoa da Estrela

Lagoa Peixão na Serra da Estrela
Peixão: a lagoa da infinita paixão na Serra da Estrela - ©Nuno Adriano

 Peixão: a lagoa da infinita paixão na Serra da Estrela

Num artigo anterior centrei-me nas lagoas naturais da Serra da Estrela, genuínas relíquias da antiga glaciação de Würmque transformou definitivamente a paisagem geológica da Serra da Estrela. No entanto, há uma que tem todo o pedigreepara se transformar em rainha. Atrai paixões de quem a procura e quer ser hipnotizado pela sua beleza infinita aos nossos olhos de comuns mortais. No pico do verão fomos procurá-la, fomos deixar-nos hipnotizar de livre vontade…

 

Em direção ao coração da Estrela

O ritual é cumprido à risca antes do início de cada aventura. Confirmam-se as regras de funcionamento; reforçam-se os requisitos de segurança; introduz-se os nossos convidados para uma nova realidade que vão enfrentar. Tal como Avatar, aqui no mundo da Estrela parece tudo ficção científica de tão diferente que é. Mas a diferença nunca podia ser tão real. Os primeiros passos dão-se de forma paulatina em direção ao coração da Serra da Estrela, num pulsar que nos bombeia com paisagens, com natureza e singularidades ricas em oxigénio de emoções e nos extrai aquele stress tóxico.

A descida dá-se calcorreando por enormes degraus de pedra lajeada e polida pelas línguas de gelo que escoavam da calote, formando uma sucessão de ressaltos provocados pela remoção de blocos pelo antigo glaciar, fenómeno este que se denomina de Quarrying, fazendo-nos pensar se não estaremos num universo paralelo de gigantes. Detetamos a Genciana-das-turfeiras, uma planta cuja cor faz sacar facilmente um sorriso a todos, pelo reflexo da sua cor púrpura que salpica imensamente pela paisagem.

Por entre depressões, encontramos pequenos covões e zonas de arrelvados, pautadas por vegetação arbustiva cujas cores dão aquele toque de magia tão típico quando caminhamos na Serra da Estrela. Aqui o território é fértil em Nardus stricta; o Cervum; ‘as pastagens de montanha’, tão cobiçadas pelos rebanhos desde milénios. Arrelvados estes devidamente vigiados pelo Zimbro-alpino, uma espécie dominante no planalto superior da montanha, amplamente conhecido pelas suas bagas negro-azuladas e utilizadas para aromatizar, por exemplo, aguardente e gin.

 

No País das Maravilhas

Eis, que por entre fragas, emerge a rainha do nosso dia. Uns perguntaram-me se não seria o reino encantado da Alice no País das Maravilhas? Eu disse que provavelmente seria!… Outros exclamaram com um simples silêncio, visto que as palavras perante uma imagem veem a sua importância reduzidíssima. Para os reconfortar, também afirmei que tal comportamento era normal por estas paragens. Instalámo-nos nas suas margens, apreciando algo que hoje vale ouro: o silêncio e a paz. A água pobre em nutrientes é tão límpida que por momentos suscita a dúvida se é possível tal pureza existir. O contraste da água; o ´planeta’ rochoso que orbita em redor, ostentando os tons amarelados da intensa floração das Caldoneiras; a sombra imponente e vigilante do Poio dos Cães, tal proa de navio que irrompe pelo Vale Glaciário da Candeeira, relembra-nos algo que é uma fatalidade indesmentível: cada dia que a visitas, cada passo que dás pelos seus trilhos, a experiência na Serra da Estrela jamais é idêntica.  

As suas águas paradas e refrescantes carregam as baterias dos nossos músculos e acalmam os sentimentos de dúvida dos nossos convidados, quando estes olham desconfiados para o Adamastor que têm de escalar no regresso. O café do montanheiro com o seu sabor e efeito retemperador estava à espera na margem, completado por biscoitos secos cozidos em forno a lenha. É este o ponto final neste local de infinita paixão. Surraram-me em secreto que é duro deixar este local para trás…

 

Na Estrela há uma alma a mais”…

Tomamos os nossos lugares na grelha de partida e iniciamos o regresso ao ponto de partida. O sol da tarde é ofuscado pelas penedias da Estrela, escondendo o calor que dificulta a nossa subida. Lentamente, de forma calma, passo a passo, subimos por um mar de granito onde as gaivotas aqui são substituídas pelas Ferreirinhas-comuns, os Chascos-cinzentose Melros-das-rochas que nos acompanham ao longo de tão intensa jornada. Surgem ao longe os sons da civilização, indicador que o terminus está cada vez mais próximo. Sente-se no ar aquele feeling tão sobejamente sentido: ‘tudo o que é bom termina depressa’.

No fim acordámos todos desta hipnose, mas ao contrário da grande maioria destes episódios quase sobrenaturais, deste transe lembramo-nos de todos os pormenores, ao milímetro, ao segundo, à grama. Esta é a verdadeira paixão que a Estrela provoca. Uma montanha que, como Artur Aleixo afirma, “(…) No teu corpo, Estrela, há uma alma a mais.”

 

NOTA IMPORTANTE: Em alguns dos locais mencionados desta rota mágica da Beira baixa aconselha-se a visita com acompanhamento de guia.

 

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