O véu de ouro na Serra da Estrela
Outono… A segunda Primavera do ano. Nunca me canso desta época e tal admiração reflete-se também em mais um artigo cingido a esta estação do ano. Mas é impossível fugir a esta atracão, em que as cores das florestas, os nevoeiros, os cheiros da terra molhada deixam os nossos sentidos num auge desmesurado.
Um vulcão de emoções
A impaciência reina no grupo enquanto nos preparamos para a nossa caminhada. O silêncio é apenas quebrado pelo som inconfundível dos rebanhos que pastam no Vale Direito, já na bacia hidrográfica do Mondego. Ao longe, as Faias de São Lourenço brilham como ouro e, cada vez que olhamos o horizonte, os olhos terminam sempre por fixar-se naquele véu dourado. É a sedução perfeita, no estrito sentido da palavra.
Com um passo ritmado, sentimos que algo nos vai surpreender, algo que é um predicado da Serra da Estrela. Não é novidade para ninguém e podemos atestar isso com uma certeza absoluta. Subimos em direção à capela de São Lourenço, lugar mítico desta cumeada, marcada pela existência de uma estrutura de culto cristão, mas com um longo passado ligado ao culto de primórdios pagãos. Os monumentais Carvalhos-negrais seculares impõem o seu respeito e são as reminiscências do que seria a flora nativa desta área. Uma paisagem que se transformou ao longo de séculos, devido a atividades humanas como a pastorícia, exploração florestal e a introdução de espécies não nativas.
As vistas que se perdem no horizonte.
Continuamos a nossa jornada pedestre, com aquele feeling muito próprio de quem vive numa montanha, onde tudo muda, tudo se transforma, todos os dias, a toda a hora. Chegamos ao posto de vigia e o horizonte interminável abre-se à nossa vista. Aqui apreciamos, ao longe, a garganta retilínea do vale glaciário do Zêzere, que desemboca em Manteigas, vila de montanha, com as suas casas brancas que contrastam com as cores outonais das encostas adjacentes. Um presépio de Natal em pleno mês de Novembro.
Aqui também se assome as Penhas Douradas, hoje uma estação de veraneio, mas cuja génese e importância na história do nosso país está bem patente no estudo e desenvolvimento sanatorial em Portugal, protagonizado pelo médico Sousa Martins nos finais do século XIX. Será esta epopeia o motivo para um futuro artigo.
Um mundo sem paralelo.
O arrepio sobe pela espinha quando chegamos ao mar de Pinheiros-do-Oregon que antecipam a entrada no bosque encantado das faias. Este é o mundo de trolls, de gigantes que guardam os portões para o mundo das mil e uma maravilhas. Deixam-nos entrar para que possamos compreender o que é o conceito de beleza na sua maior fulgência.
O véu de ouro.
Segundo Albert Camus, o “Outono é outra primavera, cada folha uma flor”, mas em que neste período as ‘flores’ são amarelas, vermelhas e laranjas. O que se pode dizer perante esta paisagem? Não há nada que se possa dizer, pois não há vocabulário que se possa utilizar para traduzir, ou então, o desafio será titânico. A melhor estratégia é vir até à Serra da Estrela, caminhar sem limite de tempo (porque não pode haver) nesta floresta e contemplá-la com todos os sentidos que possuímos. É simplesmente deixar-nos extasiar pelo véu de ouro deste bosque.
Onde o tempo simplesmente não anda.
O momento mais crítico foi continuar a nossa caminhada, deixar para trás este universo protagonizado pela mãe Natureza, em que nos esquecemos de tudo, do nosso mundo marcado peles estruturas artificiais, pelo nosso ritmo citadino e estratificado que absorve toda a nossa energia e que nos faz esquecer quem somos. Durante a escala de tempo que aqui estivemos, fomos absorvidos pela natureza, fundimo-nos com toda matéria que existe. Foi a única altura em que tempo do relógio se deteve; em que deixamos de ser escravos do tempo; em que nos sentimos de tudo…
NOTA IMPORTANTE: No percurso “O véu de ouro na Serra da Estrela”, aconselha-se vivamente a visita com acompanhamento de guia
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