Piscinas naturais da Bouça: uma caixa de joias.
As joias são raras. São detentoras de uma beleza obcecante que faz apertar o nosso coração e, ao mesmo tempo, que expandem os nossos olhos para que consigam refratar tal brilho. É desta forma que vivemos tais momentos, sempre que visitamos as piscinas naturais do vale da Bouça, na freguesia de Cortes do Meio, na vertente sudeste da Serra da Estrela. Se o binómio entre a natureza e a beleza existe, é neste vale que encontrámos a parceria perfeita.
Missão possível.
Damos o ponto de partida da nossa expedição no Poço da Monteira, Cortes do Meio. Os nossos alvos estão bem definidos e cravados na mente: descobrir as ‘Seis Magníficas’ da miríade de piscinas naturais, vulgo ‘poço’ linguajar local, que, ao longo do vale, encantam e seduzem aqueles que se aproximam a seus pés. Foi assim que consegui convencer os nossos convidados nesta missão, mas que ao contrário da encenação cinematográfica, esta não é de todo impossível.
A consolação da natureza.
A terapia começa só de olhar para as quedas de água ao longo da nossa ascensão. O Poço do Funil é bem exemplo disso. Aqui podemos consolar-nos com o espírito selvagem das águas que seguem a lógica da gravidade, que trituram, que pulam as rochas, dando-lhe formas circulares e criando piscinas naturais de águas tão transparentes que duvidamos da divisão ténue entre o que é superfície e o que já é submerso. “Estas águas dão-nos anos de vida”, comentava-se….
Para nosso gáudio.
Por entre veredas de granito, que sulcam a encosta, cuja existência se perde na memória das gentes locais, absorvemos estas paisagens. Inegável como têm uma propriedade inerente e nativa de bombear ‘nutrientes’ para o nosso gáudio, tal como estes alimentam as nossas células como seres biológicos. Tornamo-nos dependentes de percorrer este vale, de saltar de pedra em pedra que nem crianças no Poço da Formiga e do Combarão. Aqui somos livres e despojados do crivo do relógio, do stress rodoviário e dos sons artificializados que minam as urbes. No Poço do Embude ver, ouvir e sentir a simplicidade da natureza é prioridade máxima…
Aparições reais.
Este vale comprime, complica-se, aguça o nosso estado físico e psicológico. Os socalcos, outrora campos de pastagens e de agricultura de subsistência, dão lugar aos últimos bosquetes de azinheiras da Serra da Estrela. Mantém a qualidade inata de perpetuar a sua linhagem pela história geológica, dando-nos consecutivas cascatas e correspondentes piscinas naturais. O que nos cativa continuar a caminhar em busca do apogeu de cascatas e poços que terminam no Poço do Carriçal? O que nos alimenta a curiosidade de desafiar o acesso?
É claro como água. O de saber o que está por detrás de cada rocha, de cada inflexão da linha de água. É a mesma curiosidade que fez o ser humano conquistar os continentes. Só podemos saber o que está para além das montanhas, dos oceanos, dos desertos, se tivermos a coragem e o impulso de ir além do nosso olhar. Aí atingimos o pleno, o clímax da nossa existência em cada local, algo que só em contacto direto com a natureza se alcança.
Voltar? Recomeçar?
A palavra ‘voltar’ coloca-se sempre quanto terminamos algo que apreciamos e que nos sacia. Aqui, neste vale, onde a natureza e o homem incorporam um só, onde a água dá pancada forte e feia nas rochas graníticas e estas nem se incomodam minimamente, muito dificilmente não poderemos estar “loucamente enamorados pela variedade e pelo capricho” (Gérard de Nerval, Aurélia). Eu e os meus convidados de expedição não queremos fugir de voltar para o recomeço. Recomeço esse que até desejávamos!
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