Missão Tejo é Vida: “há problemas reais que nos passam ao lado e o Tejo é um deles”


Nove dias e quase mil quilómetros depois chegou ao fim, este domingo, a missão “Tejo é Vida”. Quatro portugueses aventuraram-se ao longo do curso do Tejo com o objectivo de alertar a população para as ameaças que o rio enfrenta. A missão foi concluída com êxito.

“Quando vínhamos a pedalar, dizíamos bom dia às pessoas e as pessoas respondiam-nos. É a importância que as pequenas coisas têm para elas. Aqui em Lisboa já não vale a pena fazer isso porque ninguém nos vai responder. Isto é, no fundo, o que fazemos com o rio Tejo: Não lhe dizemos nem bom dia, nem boa tarde. O rio padece da nossa indiferença. E essa indiferença é generalizada.”

Com o objectivo de combater a indiferença generalizada e alertar os mais desatentos para os riscos sérios que o rio Tejo corre, Alexandra Bartolomeu, Pedro Fiadeiro, Filipe Gaivão e Carlos Silva agarraram nas suas bicicletas e pedalaram ao longo de mil quilómetros. Foram nove dias em que os ciclistas identificaram as principais ameaças para este que é o maior rio da Península Ibérica, com 1007 quilómetros de extensão.

“O rio está muito mal tratado. Até aos primeiros 200 quilómetros corre perfeitamente limpo. Mas logo no início demonstra um dos problemas que é a falta de caudal: Existem duas barragens que retêm a água. Grande parte da água da nascente é transvasada para o [rio] Segura. Isto faz com que, curiosamente, a maioria da água do Tejo não desagúe aqui em Lisboa, mas sim no Mar Mediterrâneo. Daí para a frente o caudal é muito mais reduzido do que devia ser”, afirma Carlos Silva, um dos coordenadores da missão.

O transvase de Tejo-Segura fica a menos de cem quilómetros da nascente do Tejo, na barragem de Entrepenas. Aqui, 80 por cento das águas do rio Tejo são desviadas para o regadio dos campos agrícolas da Andaluzia.

Aos problemas do caudal reduzido junta-se a poluição. “Arajuez é uma das primeiras cidades afetadas, mas ainda assim tem um caudal relativamente limpo. A zona de Toledo já padece de um problema adicional: O Tejo junta-se ao [rio] Jarama – digo assim porque o rio principal que é o Tejo tem muito menos caudal que o afluente. O Jarama traz simplesmente todas as águas residuais de Madrid. É fácil imaginar que é uma mancha castanha. Não é uma questão das águas de Madrid não serem tratadas, mas águas residuais de 6 milhões de pessoas num rio com pouco caudal é muito grave”, acrescenta.

O problema das águas poluídas em Toledo não é de hoje. Desde a década de 70 que as pessoas da cidade não podem tomar banho nas águas devido à sua má qualidade e aos riscos graves que podem representar para a saúde. Em Toledo, o caudal do rio não sofre, praticamente, alterações durante o ano.

Mais há frente, Talavera de la Reina reflete um rio morto e com muito pouco caudal. “Com vento que batia na água parecia que o rio ia a subir e não a descer. É das zonas do rio que estão mais afetadas pela falta de caudal e poluição excessiva. Há águas que estão claramente estagnadas. Em muitas zonas, passámos e sentimos um odor podrido das águas, com muitas infestações de algas à superfície”, diz Carlos Silva.

“Fomo-nos deparando com situações que nem sequer imaginávamos que existissem. Cheguei mesmo a ter tristeza porque vi no rio um caudal morto, a cheirar mal, essa parte da viagem entristece-me, mas a missão era a de alertar as autoridades e pessoas”, afirma Alexandra, a única mulher do grupo.

Para além dos alertas lançados relativos ao caudal e à poluição, o grupo acrescenta o das barragens construídas ao longo de todo o curso. São sete, em território espanhol e português. A má gestão das águas é um dos problemas apontados.

“No sul acabamos por encontrar barragens à cota máxima, o que nos faz perceber que há uma má gestão do rio numa determinada zona e noutra. Depois chegamos a Portugal e percebemos que a maior parte desta água está retida em Espanha”, acrescenta. 

Chegando a Portugal, os problemas mantêm-se. “Chegamos a Vila Velha de Ródão e encontramos ali um novo rio acastanhado, problemas que se acumulam com os problemas de contaminação. Temos ainda as duas barragens de Belver e de Fratel que nos dão uma ideia falsa de caudal. O que nos criam são lagos. O Tejo a partir dos seus 200 km até última barragem não é um rio, é um conjunto de lagos ligados por um conjunto de barragens”, conclui.

“Isto é de facto preocupante. Nós aqui em Lisboa não notamos porque o rio está cheio de água, só que isto é água do mar. Isto não é um rio, é uma ria. A água que nasce em Espanha não chega cá e a que chega é poluída, está mal tratada. Nós não temos associações a tratar do problema, não temos consciência”, alerta Filipe Gavião.  

Como se não bastassem as situações por resolver, juntam-se as centrais nucleares, três ao longo do Tejo, que são arrefecidas pelas águas do rio. “Duas que estão ativas e uma que está inativa mas que está no período de desactivação. Por isso, durante 15 anos ainda corremos riscos. Uma delas está a cem quilómetros e chega cá num instante. Da pouca água que nos chega cá, se vier contaminada isso é bastante preocupante”, continua o ciclista.

Segundo o grupo, a consciência da população para o Tejo não é proporcional à real dimensão do problema. Aqui não vemos, mas em Espanha o problema é percetível e há muitas associações preocupadas com o rio”, refere Pedro Fiadeiro.

Para Alexandra Bartolomeu, “os espanhóis têm muita noção do que está a acontecer. Existem muitas associações em a lutar pelo rio. Em Portugal, as pessoas têm alguma noção, mas não fazem ideia do que se está a passar no país vizinho. Este é um problema dos dois países e tem de haver uma união para o combater. O futuro é cada vez mais preocupante”, afirma Alexandra.

Ao longo da viagem de mil quilómetros, os quatro ciclistas foram alertando a população. Reuniram-se com associações ambientalistas e câmara municipais no sentido de” juntar alguns interesses comuns” e chamaram a atenção da comunicação social para as ameaças.

Para Filipe Gaivão, “há problemas reais que nos passam ao lado e o Tejo é um deles. Acho que atirámos uma pedra para o charco e conseguimos fazer algumas ondulações. Não podemos ser só nós, mas já fizemos um bocadinho a nossa parte. Temos deixar a nossa pegada e esta é a nossa”.

Os membros da equipa já se encontram a pensar na próxima missão.