Vale do Alto Mondego: a orquestra da Natureza

O Vale do Alto Mondego afigurou-se-nos como uma das alternativas de descoberta nesta época do ano. O ponto de partida foi Vila Soeiro, a aldeia ribeirinha do Mondego outrora apelidada de “cabo do mundo”.

Vale do Alto Mondego
Vale do Alto Mondego: a orquestra da Natureza - ©Nuno Adriano

Vale do Alto Mondego: a orquestra da Natureza.

Música… A combinação de sons com diferentes tempos e ritmos que maravilha os nossos ouvidos, que nos cativa, que nos faz fechar os olhos e viajar ao longo de um tempo. No vale do Mondego, num dia, foi esse mesmo sentimento que brotou daquelas águas, daquele cenário que amplia o som e que construiu uma sinfonia que ainda hoje perdura na memória. É essa obra musical que quero partilhar com vocês.

A composição está feita…

A orquestra sinfónica da Natureza iniciou-se quando desliguei o carro em Vila Soeiro, uma aldeia singela do concelho da Guarda. Do som mecânico da combustão, passei para outras sonoridades: as águas do Mondego. A sinfonia estava ali mesmo há minha frente, neste ambiente ripícola, onde as águas fluíam livremente, rodeados por freixos e amieiros repletos de avifauna diversa, tudo enquadrado num típico ambiente rural de montanha.

A descoberta da harmonia.

O melhor maestro, a natureza, encarrega-se de dar as indicações certas: seguindo a pé pelas margens deste rio ícone em Portugal, tudo está afinado, tudo respira harmonia ao ritmo certo. Tudo se encaixa neste vale onde a sua beleza é o refrão perfeito para ligar as rimas das diferentes versos das quedas de água que pautam o trilho e que, obviamente, são o alvo predileto dos melros-de-água, que nas águas turbulentas procuram o seu manjar.

Contemplar um solo.

Completamente emaranhado nas suas margens, sigo pelo vale em direção a montante. Os Fetos-reais dão um toque especial, uma paisagem quase de carácter jurássico e selvagem, sendo esta o melhor palco para uma atuação que está a ser de sonho. Do nada, surge um fragão que ofusca o sol. A sua corpulência quebra o ritmo, marca a transição e dá uma nova dimensão a esta sinfonia em que os sons mais agudos das suas escarpas relembram o quanto este rio sulcou, erodiu e transformou esta paisagem. Merece uma paragem, uma pausa de silêncio, com mais tempos que uma semibreve, para restabelecer as energias e, sentado numa rocha em pleno leito do rio, resta-me continuar a contemplar este solo.

‘Partituras’ humanas…

Mas os vestígios humanos estão sempre presentes e aqui não foge à regra. Em pleno vale deparo-me com ruínas de antigos lagares de azeite, azenhas e unidades industriais primitivas, onde a lã era tratada como ouro, um bem precioso, fundamental para a economia local. A água era o motor que alimentava estas unidades, tal como um amplificador, que faz o som da nossa sinfonia entoar bem mais alto. É um recuar no tempo, em que as gentes da serra dependiam do que a natureza dava, do labor árduo nos campos e das atividades de pastorícia.

Mas não se fica por aqui, ainda hoje, em pleno século XXI e desde os finais do século XIX, a água neste vale profundo é explorada para a produção de um bem essencial: a eletricidade. A Central Hidroelétrica do Pateiro marca bem a presença humana neste vale. Pela sua levada sigo pela margem direita do vale do Mondego, aqui bastante entalhado e serpenteando vertentes rochosas bem proeminentes, tal como notas musicais dispostas numa pauta. E no fim, sobre a batuta da Natureza, tudo tem ordem e faz sentido. É um verdadeiro paraíso para seguidores da fotografia.

Escalas feitas pela água…

Já no regresso e antes de encaminhar-me a Vila Soeiro, é obrigatória a incursão pelas cascatas da ribeira do Caldeirão, um afluente do Mondego. Um cântico especial da Natureza, que nos garantiu paisagens imaculadas como estas. Uma escadaria feita de água que galga das fendas de rochas íngremes, numa paisagem que merece ser contemplada e ouvida como o 3º e último movimento desta obra musical.

Um bater de palmas…

É o final apoteótico e ribombante para esta sinfonia pelo vale do Rio Mondego. Quatro horas e meia dum concerto cujos ‘intérpretes’ da natureza estiveram ao mais alto nível. Resta-me bater palmas, de pé e pedir “só mais uma”. Uma de muitas mais…

NOTA IMPORTANTE: No percurso que efetuamos, aconselha-se vivamente a visita com acompanhamento de guia

 

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