Acompanhados por Nuno Adriano, grande conhecedor da Estrela e dos seus trilhos pedestres, iniciamos a nossa expedição de primavera na serra, depois de degustarmos um excelente repasto na Casa do Clube.
Mais uma vez deixamo-nos envolver no desafio de descobrir as belezas e os segredos desta serra que a maior parte das pessoas apenas visita na época em que está coberta de neve.
Mas a Estrela é muito mais que neve e em todas as estações do ano, consegue-nos surpreender com a diversidade das suas belezas.
Com a chegada da Primavera, as flores e a restante vegetação formam um arco-íris de vida, revelando belezas insuspeitas e recônditos esconderijos.
A nossa caminhada começou junto à Senhora da Boa Estrela, escultura em relevo, feita na própria rocha e com uma altura de 7 metros. Esculpida por António Duarte em 1946, é considerada a padroeira dos pastores e rebanhos. Ainda hoje, lugar de culto, todos os anos, no segundo domingo de agosto, aqui se realiza uma cerimónia religiosa.
De mochila às costas, começamos a subir em direção ao Cântaro Raso, promontório granítico que, a par do Cântaro Magro e Cântaro Gordo, são as elevações que mais se destacam no planalto superior da Serra da Estrela.
No caminho, avistam-se os Blocos Colunares, cuja forma se deve à existência de erosão vertical, que lhes confere um aspeto colunar muito peculiar. É uma paisagem geológica única no país e de visita obrigatória.
Chegados ao Cântaro Raso, a paisagem é de cortar a respiração. Ao longe podemos observar o vale glaciar do Zêzere, que no máximo da glaciação atingiu os 13 km e uma espessura máxima de cerca de 300 metros. Aos nossos pés, é visível o Covão da Ametade, circo glaciário rodeado por paredes abruptas, onde a vegetação arbórea constituída maioritariamente por bétulas, cria o cenário ideal para a realização de piqueniques ou para um descanso merecido após uma caminhada.
Atualmente é no Covão da Ametade que o rio Zêzere toma corpo, na pequena planície com origem em sedimentos glaciários que anteriormente foi uma lagoa com a mesma origem.
Nas zonas mais expostas, onde o solo está mais degradado e exposto ao clima severo, encontramos um habitat muito interessante, denominado psico-xerofitico, onde habitam comunidades de flora muito resistentes e adaptadas a viver neste solo, rochoso e sem proteção. Uma planta claramente visível por nós, pela cor amarela e chamativa, foi a Viola Langeana.
Já no Covão do Boi, um dos locais ideais de pastoreio durante o período estival, a espécie dominante é o Cervum, uma gramínea muito resistente ao clima severo da montanha. Aqui e nas zonas circundantes mais rochosas e adjacentes encontrámos espécies de plantas muito peculiares como o Ranúnculo-amarelo, o Malmequer-das-rochas, a Gagea soleirolii, a Campanhia-amarela, entre outras espécies.
De volta á estrada, umas curvas mais adiante, outro trilho, outras paisagens, outras belezas, nos aguardavam. No horizonte algo brilha ao longe: são as Salgadeiras, pequenos charcos naturais e temporários, a grande maioria de baixa profundidade e que acabam por secar no período de Verão.
Este é o habitat perfeito para várias espécies de anfíbios, que tivemos a oportunidade de ver e de assistir a um concerto em direto de Rãs-verdes e Relas. Estas espécies formam aqui comunidades interessantes, cujo som nos embala para verdadeiros momentos de descontração.
Pouco depois demos de caras com a minúscula Sete-em-rama, com a sua cor amarela e a Viola palustris, duas espécies florísticas típicas de ambientes turfosos. Sobre nós e pairando com um voo veloz, repentino e eficaz, estava um Tartaranhão-caçador que patrulhava esta área à procura das suas presas preferidas.
Este trilho leva-nos também pelo Covão da Clareza, um vasto cervunal, outrora local de destino dos rebanhos estivais que nesta Primavera está coberto de ranúnculo-branco, (pequenas florinhas), que cobre a água conferindo um cenário de beleza incomparável, quase como de uma pintura a aguarela se tratasse.
Para terminar o dia em beleza, encontramos uma Rela, que se deixou fotografar, qual estrela famosa. Este anuro que não ultrapassa os 50 mm possui uma cor verde, que lhe confere um mimetismo perfeito para passar despercebida aos predadores.
Mas as surpresas não se ficaram por aqui e por entre uma Piorno-da-Estrela, um arbusto muito compacto, resistente e de flor amarela intensa, encontrámos um ninho de Ferreirinha-comum, com os seus ovos azulados e chamativos, que parecem ovos de Páscoa. Esta pequena ave é comum no planalto superior da Serra da Estrela, sendo visível no topo dos arbustos ou dos blocos graníticos.
O sol já se escondia no horizonte, quando embora relutantes, fomos forçados a deixar aquele reino mágico. Mais uma vez a Estrela, revela-nos que aqui a vida decorre ao ritmo que a montanha determina e que a hora de a deixar tinha chegado.
A Serra da Estrela não é só a Torre, nem as filas de trânsito nos meses de Inverno. Venham à serra na Primavera e deixem-se encantar pelas cores vibrante, escutar a água a correr nos ribeiros e dar uns mergulhos nas suas lagoas de águas límpidas e serenas.
Regressados à Covilhã, nada melhor que degustarmos alguns dos pratos bem tradicionais da região, no restaurante do Puralã – Wool Valley Hotel & Spa.
No final, cansados, mas reconfortados quer pelas belezas que os nossos olhos absorveram durante o dia, quer pela excelente refeição, rumámos ao Sport Hotel, onde nos deixamos embalar pelo conforto e pelo silêncio.
Nota importante: Em alguns dos locais mencionadas aconselha-se a visita com acompanhamento de guia.
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