Na Sala do Trono do Palácio de Queluz, o músico e escritor brasileiro Chico Buarque de Hollanda, recebeu hoje o Prémio Camões, quatro anos depois de ter sido distinguido.
Numa cerimónia que contou com a presença de Lula da Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, Chico Buarque dedicou o Prémio Camões aos artistas “humilhados pela estupidez” do antigo governo brasileiro e deixou um aviso: “a ameaça fascista persiste, no Brasil como um pouco por toda a parte”.
A falar por último, depois de Manuel Frias Martins, Marcelo Rebelo de Sousa e de Lula da Silva, Chico Buarque falou: “Lá se vão quatro anos que o meu prémio foi anunciado”, declarou Chico Buarque. “No que se refere ao meu país, quatro anos de Governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás”. “Hoje, porém, reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu prémio Camões, deixando o seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula”, afirmou.
Visivelmente emocionado, Chico Buarque deixou palavras de agradecimento ao pai, que o introduziu à literatura e à Música Popular Brasileira (MPB). “Mais para o fim da vida, participou na fundação do Partido dos Trabalhadores, sem chegar a ver a restauração democrática no nosso país, nem muito menos pressupor que um dia cairíamos num fosso sob muitos aspetos mais profundo”, frisou o vencedor do Prémio Camões.
O presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, no seu discurso, começou por lembrar que neste “dia há 49 anos foi o último da ditadura, mas que é mais um assinalável encontro entre o Portugal e o Brasil em democracia”. O presidente português referiu ainda que “os que não gostaram do Camões atribuído a Chico Buarque, caíram no absurdo”, numa clara alusão a Jair Bossonaro.
Já a terminar, Marcelo Rebelo de Sousa comparou o Prémio Camões atribuído a Chico Buarque ao Nobel atribuído a Bob Dylan e pediu desculpa ao músico brasileiro, novamente com referências a Jair Bolsonaro: “Meu caro amigo, me perdoe por favor este atraso” referindo-se à entrega do Prémio Camões.
Também o Presidente do Brasil, Lula da Silva, em visita oficial a Portugal, aludiu tal como o seu congénere português ao seu antecessor, afirmando que “O prémio devia ter sido entregue em 2019. Todos sabemos porque não foi”. Apesar disso, Lula da Silva declarou que é “uma enorme honra” e que a entrega do prémio é assim “o regresso da democracia ao Brasil. Uma vitória do talento contra a censura”.
O presidente do júri do Prémio Camões de 2019, o académico português Manuel Frias Martins, defendeu que Chico Buarque “marcou a cultura portuguesa do último meio século”. Frias Martins afirmou que os poemas que constam das canções de Chico Buarque “são abraços que unem continentes onde se estuda a língua portuguesa em toda a sua riqueza e variedade”, destacando ainda a ética e o alcance humanístico da obra de Chico Buarque nas suas mais diversas vertentes.
O académico desejou que a atribuição do prémio, “que peca por tardia, mas não por imerecida”, sirva para “reforçar a união das nações que se entendem em português”.
“Obrigado, Chico Buarque, por toda a arte e beleza que nos trouxe”, concluiu o presidente do júri, composto ainda por Clara Rowland (Portugal), Antonio Cícero e Antonio Hohlfeldt (Brasil), Ana Paula Tavares (Angola) e Nataniel Ngomane (Moçambique).