Isto é bairrismo, menina!


Realizou-se ontem o segundo dia de exibições das Marchas Populares de Lisboa 2016. Os bairros da Ajuda, Alto do Pina, Graça, Alcântara, Campo de Ourique, Alfama, Bica e a marcha extracompetição dos Mercados apresentaram-se no Meo Arena para cerca de 7500 pessoas. Lisboa que é Lisboa é bairrista e, por isso, a festa faz-se sobretudo nas bancadas.

“Sempre me conheci como bairrista, é algo inexplicável. Isto é um grande amor!”, explica Tiago Silva, de 19 anos. Nasceu e cresceu nas ruas de Alfama e explica que só quem lhe pertence consegue compreender. É essa paixão que o faz estar hoje na linha da frente da claque de apoio à marcha popular: “Nada tem mais importância, esta noite, do que mostrar aos nossos marchantes que estamos aqui com eles e pelo nosso bairro. Estamos aqui para os apoiar. Eles querem estar aqui e vestir a nossa camisola, não é para qualquer um!”. Por isso, em grupo, entoam alguns cânticos de apoiam, gritam, saltam e aplaudem efusivamente – é uma performance de fazer inveja a qualquer claque desportiva.

“Os adeptos gostam do Benfica ou do Porto e alguns nem moram nas mesmas cidades, aqui as pessoas nasceram em Alfama. É uma paixão muito mais enraizada, é uma coisa orgânica. Não há explicação para a sensação de entrar e sentir o pavilhão aos berros, tudo a gritar, a saltar, a chamar. É simplesmente maravilhoso!”, admite João Baião, padrinho da marcha.

Mas nem só de bairristas se faz o bairrismo. Maria Alice, por exemplo, vem do Barreiro só para apoiar a Marcha da Bica: “Não lhe consigo explicar a razão, mas adoro a Bica e a sua marcha. Venho sempre e hoje vou ficar até ao final só para a ver. Acho muito importante para os marchantes o nosso apoio”, afirma.

“Nós sentimos a emoção da nossa claque que nos apoia sempre. Achei que a claque foi muito boa. Quando as pessoas nos aplaudem sinto uma grande emoção dentro de mim que fica marcada para sempre. Achei que esta noite muito, muito boa e gostei de estar aqui” afirmou Beatriz Silva. Aos 6 anos, a pequena mascote da Bica mostra que a marcha já lhe corre no sangue: “tenho a certeza absoluta de que quando for grande vou participar marcha porque eu gosto e é, tipo, uma segunda casa para mim”, rematou.

Do Alto do Pina vem Maria Teresa. Foi uma das moradoras do bairro que se chegou à frente para apoiar a marcha depois de saber dos incidentes com os figurinos. “Olha, minha querida, nós fomos roubados, mas estamos aqui bem-dispostas. Há três dias que não durmo; Hoje fui a casa tomar banho e voltei novamente; Saí há 26 dias do hospital com um princípio de um AVC e estive a ajudar ainda mais. Lutamos pelo nosso bairro e não há tanta união como no Alto do Pina, não há nada como o nosso bairro, não há!”, garante.

As marchas populares aqui são levadas a sério. O sentimento de pertença, geral a todos os envolvidos, é a essência da festa. As bancadas estão repletas de primos, tias, filhos e pais que vêm para apoiar os seus. Apoiar é a palavra de ordem.

É o caso de David Clara que vem de “fora” para apoiar a namorada na marcha da Graça. É a primeira vez que assiste às Marchas Populares de Lisboa e garante que o espírito “é magnífico”. Sobre o bairrismo, afirma que sabe bem o que isso é e que conhece a união que existe entre as pessoas.

“É muito importante, sentimos que o bairro está connosco. O bairrismo é o melhor que pode haver. Para mim não há natal, não há passagem de ano. Não da mesma forma que há marchas populares. É um espírito indescritível, o que se vive nestes dias, e passa de geração em geração”, explica a marchante mais velha da Graça, com 57 anos, Cecília Santos.

Falando de gerações, encontramos a Dona Edite. Começou a marchar aos 18 anos. Hoje, com 81 anos, “as pernas já não deixam” mas gosta muito de ver e está a achar as marchas deste ano “muito bonitas”. Vem, com os seus amigos lá do bairro, numa excursão organizada pela Junta de Freguesia. Apoiam a marcha de Campo de Ourique.

“Há muita população idosa que está aqui hoje, que veio connosco, e que possivelmente não teria oportunidade de vir esta noite sem o serviço de transporte. Assim vêm apoiar a marcha de campo de Ourique”, explica Nuno Paulo, responsável da Junta de Freguesia.

E se muito marchou a Dona Edite, muito promete marchar a Bianca Fidalgo, de 11 anos. Vem com a mãe apoiar a marcha da Ajuda. “Vamos gritar muito para que eles façam o melhor. Acho que eles ficam contentes e dá-lhes força. Não participo porque não tenho idade, mas para o ano já posso”, afirma com um sorriso.

Bruna santos é Aguadeira da marcha da Ajuda este ano, mas já foi marchante e concorda com a Bianca: “É muito importante mesmo. Só o ouvirmos, atrás da cortina, chamarem o nosso nome enche-nos o coração. E quando entramos e vemos aquela mancha toda ali é espectacular. Se algum dia acabassem com as claques, as marchas deixavam de fazer sentido.”

Fora da competição das Marchas Populares está a marcha dos Mercados de Lisboa, mas nem por isso se deixa de sentir o entusiamo nas bancadas. “A marcha dos mercados, por não entrar em competição recebe mais calor humano. Porque no fundo não existe a representação de um bairro, existe de toda a Lisboa. E as pessoas apoiam-nos imenso”.

A marcha dos Mercados surge como um alerta à cidade. “O nosso maior objetivo ao vir desfilar, e foi uma luta durante alguns anos, é lembrar as pessoas de que os mercados existem, que estão vivos e que podem falar com eles”.

Quando a marcha de Alcântara entra na arena, há uma explosão de gritos e aplausos. Para Pedro Granger esse é o espírito durante todo o ano. “Somos todos muito amigos uns dos outros. Foram meses de trabalho. O público foi impecável, quer a nossa claque, quer as outras claques que também nos apoiaram. Reconheceram o trabalho que aqui está”, diz o padrinho da marcha de Alcântara e conclui: “Queremos ganhar, mas se não ganharmos vamos continuar para o ano estarmos aqui. O que interessa é o amor e amizade que temos aqui”.

Mónica Nunes, apoiante de Alcântara, confessa: “Isto é bairrismo. Eles merecem porque estão três meses a marchar todos os dias, várias horas depois de um dia de trabalho. Nós fazemos isto como bairro, como a gente os adora, essa força para eles continuarem. É bairrismo e eu acho que é bonito. Não se pode perder isto. Faz parte de nós”.

O Meo Arena recebe no domingo, dia 5 de junho, o último dia de exibições das Marchas Populares de Lisboa de 2016. Desta vez recebem-se os bairros da Mouraria, Marvila, Carnide, São Vicente, Santa Engrácia, Olivais e Madragoa.