Cinfães é sem dúvida uma dádiva da natureza, na confluência dos rios Douro e Paiva

Durante três árduos dias tivemos como ‘missão’ (re)descobrir Cinfães e o grato prazer de disfrutar de sensações que apenas os paraísos nos são capazes de transmitir.

Cinfães no Douro e Paiva
Cinfães é sem dúvida uma dádiva da natureza - ©Armando Saldanha (Aldrabiscas)

Na confluência dos rios Douro e Paiva e a um passo dos grandes centros urbanos, Cinfães é efetivamente uma dádiva da natureza, um local onde se inspira natureza e expira saúde.

Desde o ponto mais alto, na serra do Montemuro, onde se pode ainda (re)viver os tempos idos em que os pastores calcorreavam as encostas da serra até ao maciço do S. Pedro do Campo, em vigia ao gado, ao imponente rio Douro, passando pela extraordinária beleza do vale do Bestança, ou pelo multifacetado rio Paiva, motivos não faltam para visitar Cinfães, um território mágico!

A nossa visita começou com a recriação dos percursos antigos dos rebanhos, o “Siga o rebanho

É final de tarde, em plena primavera. Na Serra de Montemuro, o clima está ameno e no ar sente-se o cheiro das urzes e das estevas. Rodeados de uma paisagem agreste, mas bela, onde os sons que se ouvem – os balidos e os chocalhos dos rebanhos, nos transportam para o passado, ali estávamos a seguir os percursos antigos dos rebanhos.

No maciço de S. Pedro do Campo, ergue-se uma capela, ainda hoje lugar de culto. Da origem da capela, não há grandes registos, mas diz-se que no vento sopram muitas histórias deste campo, as de gentes que o percorreram e que aqui enterraram os seus defuntos, das que aqui adoraram os seus deuses, e das que ainda hoje, no dia 29 de junho, aqui celebram a adoração ao São Pedro.

Por tradição, todas as visitas à Serra terminam com a degustação do que melhor há na região e esta não foi exceção. Vinho verde da região, pão, queijo e presunto, serviram de aperitivo para o jantar servido no Museu Etnográfico de Nespereira (Quinta da Granja).

Criado para salvaguardar a identidade local e regional, através da preservação, partilha e mostra de vivências, “histórias” e aspetos da ancestralidade dos nossos povos, o Museu Etnográfico de Nespereira acolhe de forma permanente artefactos, ferramentas, alfaias, mobiliário, trajes e calçado que foi sendo recolhido pelo Grupo Folclórico de Nespereira, e que retrata o modus vivendi de uma época que se estende desde o início do séc. XIX até meados do séc. XX.

Mais uma vez, fomos surpreendidos, com o local escolhido para passarmos a noite. Já perto da meia-noite, chegamos ao Parque de Campismo de Mourilhe, sobranceiro à Barragem do Carrapatelo, onde fomos recebidos pela Cecilia Bessa, que muito simpaticamente nos encaminhou a um aconchegante e muito confortável bungalow, para uma noite bem passada. Mas disso lhes daremos conta oportunamente.

O segundo dia começou bem cedo, as Portas de Montemuro e Aldeia da Gralheira aguardavam-nos.

Nada melhor para se começar o dia, que subir até a um dos pontos mais altos da serra do Montemuro, precisamente no limite entre Castro Daire e Cinfães. É neste local que se encontram as ruínas da Muralha das Portas do Montemuro, sítio arqueológico, já mencionado no século XIII, apresentando vestígios de um povoado fortificado da Idade do Ferro.

Das Portas de Montemuro rumámos à Aldeia da Gralheira, não sem antes fazermos um desvio para visitarmos outro do ex-libris da região – Ponte da Panchorra.

Implantada a cerca de 1000 metros de altitude, a Ponte da Panchorra une as duas margens do rio Cabrum, sendo um belíssimo exemplo de arquitetura vernacular.

De todas as pontes sobre o Rio Cabrum, esta é a mais arcaica e rústica, construída com um duplo arco românico, o que pode indicar um trabalho de mestres locais ou regionais, destinado a suprir as necessidades de acesso da comunidade às suas propriedades agrícolas e silvícolas.

Na zona envolvente encontramos um parque de lazer, que dispõe de um bar de apoio, sanitários, parque de merendas, zona de estacionamento que permite também a sua utilização como miradouro.

Voltando à estrada, seguimos em direção à Aldeia da Gralheira, a mais alta da serra do Montemuro (1152 m de altitude), havendo ainda quem diga que é a aldeia habitada mais alta de Portugal e a quem também chamam a ‘Princesa da Serra’.

No seu núcleo mais antigo sobressaem as casas de granito, com paredes largas, mantendo algumas delas, a primitiva cobertura de colmo.

Uma delas dá guarida ao projeto “Serranitas da Gralheira” que surgiu em 2012 com o objetivo de dinamizar os costumes, a cultura e a identidade das gentes da Gralheira, nomeadamente no que respeita ao modo de trajar tipicamente serrano, associado ao agasalho mais utilizado na serra de Montemuro “O Capucho de Burel”.

Aqui, podemos ainda visitar o Centro Interpretativo da Gralheira – Casa do Ribeirinho –espaço que serve de museu e de local para a realização de atividades ligadas às diversas atividades da aldeia.

Também aqui, todos os anos, por altura da quadra natalícia, a Gralheira se enche de magia e se transforma na “Aldeia do Pai Natal”, um evento que promove inúmeras atividades de animação cultural, para grande divertimento de miúdos e graúdos.

A gastronomia de montanha é um dos seus maiores atrativos, trazendo à Gralheira muitos visitantes. Iguarias como o cabrito e a vitela assados em forno a lenha, cozido à portuguesa ou à moda da aldeia, arroz de salpicão, entre outros acepipes, são já uma referência regional e nacional.

Depois de um saboroso repasto, num dos restaurantes desta típica aldeia portuguesa, voltamos a Cinfães para uma visita ao incontornável Museu Serpa Pinto.

O edifício de traça pública e que outrora serviu de Posto da Guarda e Cadeia, foi reorganizado num espaço de promoção e partilha da vida do ilustre explorador cinfanense que atravessou o continente africano.

Este museu, acolhe de forma permanente duas coleções locais: a investigação arqueológica do Concelho de Cinfães, e a história e vida do General Alexandre Serpa Pinto.

Vale e Rio Bestança

Outro local incontornável é o Vale do Bestança, que desde 2015 conta com um Centro de Interpretação, localizado na aldeia de Pias. Este centro é um espaço de excelência destinado à valorização do património natural e cultural do rio e vale do Bestança, reconstruído sob o princípio da componente tecnológica. O Centro de Interpretação, é composto por uma receção/serviço informativo, diversos espaços imersivos com exposição interativa, um laboratório com área de pesquisa, e um auditório. Dispõe ainda de um miradouro sobre a foz do rio Bestança, e oferece balneários e uma estação de serviço, tanto para o apoio aos vários percursos pedestres do vale, como à rede de trilhos BTT.

O rio Bestança, nasce a 1229 metros de altitude em plena Serra do Montemuro. Tem uma extensão de cerca de 13,5 quilómetros e desagua em Porto Antigo, na margem esquerda de uma das melhores albufeiras do Douro, entre as freguesias de Oliveira do Douro e Cinfães.

O seu nome advém do termo “Bestias”, que significa correr naturalmente em zona de fauna e flora selvagem. Dado o elevado grau de conservação natural de todo o curso fluvial e como ecossistema sustentável de indiscutível importância, o rio Bestança foi integrado na Rede Natura 2000, como parte integrante do sítio do Montemuro (Biotopo Corine), assumindo uma importância ecológica nacional e internacional de exponencial valor.

Junto ao Canhão de Pias, existe aquele que é conhecido como Baloiço do Bestança, um baloiço muito fotogénico que é renovado todos os anos e que leva até à região centenas de turistas.

No Rio Bestança, é possível a prática de yoga numa prancha de Stand Up Paddle. Uma sensação única de ligação à natureza que, apesar de desafiante, é extremamente relaxante.

A experiência ‘Fluir’ consiste numa viagem de Paddleboard e numa aula de ‘SUP Yoga’ num recanto mágico do rio Bestança, considerado um dos rios mais limpos da Europa, e considerado o último rio ‘selvagem’ em Portugal.

O dia chegava ao fim, mas não o programa. Após mais um jantar delicioso, num dos melhores restaurantes de Cinfães, detentor de uma vista magnifica, fomos brindados com um concerto que deu início ao Festival Inventa.

Ponte de Mosteirô e Porto Antigo

O concerto teve lugar na Ponte de Mosteirô, que une os concelhos de Baião e Cinfães, e no cais de Porto Antigo e contou com a atuação da Orquestra do Norte, do Crassh, um projeto que une percussão, movimento e comédia visual e da companhia espanhola de teatro de rua Deabru Beltzak.

Porto Antigo foi, em tempos, ponto de paragem dos barcos rabelos que transportavam o vinho do Porto da região do Douro vinhateiro. Atualmente o cais de Porto Antigo acolhe inúmeras embarcações marítimo-turísticas de recreio e barcos de cruzeiro, que cruzam diariamente as águas do rio Douro. No cais é também possível observar-se a foz do rio Bestança, formando um belíssimo espelho de água, bem como a grandiosa albufeira formada pelo ancoramento das águas do rio Douro, na Barragem de Carrapatelo, um pouco a jusante.

A noite já ia avançada, quando chegamos à Quinta da Ventozela. Embora estivéssemos muito cansados, percebemos que estávamos numa deslumbrante casa senhorial bastante antiga, embora com todo o conforto das casas modernas.

Na manhã seguinte, tivemos a confirmação do que na noite anterior, já tínhamos suspeitado. A vista que se vislumbrava sobre o Douro era magnifica.

Depois de um pequeno-almoço retemperador e sem tempo para podermos usufruir da simpatia dos donos da casa – o Sr. Vicente e a D. Lurdes – a quem prometemos voltar, continuámos a nossa viagem, desta vez pela Rota do Românico.

No terceiro dia o Parque Fluvial Km 10 e o Cais de Escamarão, esperavam-nos. Rumamos de Cinfães ao encontro dos rios Douro e Paiva.

A primeira paragem foi no Parque Fluvial Km 10, numa das margens do Rio Paiva, um dos epicentros das atividades náuticas de aventura, nomeadamente de rafting.

Encaixado num vale estreito e profundo, este espaço está equipado com bar e instalações sanitárias que servem de apoio às atividades aquáticas e de aventura aí realizadas, detendo ainda um pequeno percurso de arvorismo, que pretende incentivar os visitantes a interagir com a natureza, sensibilizando-os para a sua importância.

Ao longo do parque, encontramos um conjunto de infraestruturas tais como mesas e bancos amovíveis, onde os visitantes podem usufruir de momentos de lazer ou até fazer festas de aniversário, como a que estava a ser preparada quando por lá passamos.

Igreja de Nossa Senhora da Natividade de Escamarão e Cais de Escamarão

Igreja de Nossa Senhora da Natividade de Escamarão, foi a paragem seguinte. O templo enquadra-se no modelo chamado gótico rural com destaque para a cabeceira com uma janela de expressão gótica, embora decorada com motivos de pérolas de cariz românico.

A inscrição ao lado do portal principal (1358) poderá assinalar o ano de conclusão desta obra, subsidiária do poderoso Mosteiro de Alpendorada, situado em Marco de Canaveses.

Cinfães na confluência dos rios Douro e Paiva

Um pouco abaixo da Igreja, localizado na margem esquerda do Douro, o cais de Escamarão, permite a acostagem de embarcações marítimo-turísticas e de recreio. Remodelado em 2015, o cais dispõe de um posto de turismo, bar-esplanada, loja de produtos regionais, sanitários, espaço de merendas e um percurso vocacionado para a atividade física (caminhada, corrida, bicicleta, etc.).

Os barcos ancorados no cais, convidavam a um passeio pelas águas calmas do Douro. E foi isso que fizemos.

Um pouco a jusante do cais de Escamarão, avistamos a Ilha dos Amores, como aqui lhe chamam, a única Ilha existente ao longo de todo o percurso nacional do rio Douro. 

E como quase todas as ilhas, está repleta de mistérios. As lendas – algumas mais trágicas que outras – dão-nos conta de um amor proibido vivido há muitos anos atrás entre uma fidalga e o filho de um lavrador.

A formação desta ilha, deve-se à subida das águas há centenas de anos atrás, que formaram um pequeno pedaço de terra que conta agora com 29 metros de altitude e 1400 metros quadrados. A ilha, também conhecida como “Ilha do Castelo”, testemunha o cruzamento dos rios Paiva e Douro e marca o encontro dos distritos do Porto, Aveiro e Viseu, mais uma curiosidade de Cinfães.

Durante o passeio, cruzamo-nos com várias pranchas de Paddle que deslizavam pelas águas límpidas e tranquilas na confluência dos rios Douro e Paiva que nos aliciavam para um mergulho ou simplesmente para disfrutar daquele “paraíso encantado” em Cinfães.

A viagem chegava ao fim. Nada melhor que uma soberba ‘posta arouquesa’, servida num dos muitos restaurantes de comida tradicional da região para retemperar energias e ganhar ânimo para deixar esta terra sem igual.

Vá para fora cá dentro! Conhecer o território de Cinfães é obrigatório!

Por nós, fica a promessa de voltar, tantas foram as coisas que ficaram por conhecer mesmo após três intensos e inesquecíveis dias.

 

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