Os bosques inconfundíveis da Serra da Estrela

Fomos descobrir os bosques da Serra da Estrela num dia cinzento de nevoeiro e chuva. A experiência, por entre faias, carvalhos e castanheiros revelou-se de difícil descrição tal a profusão de sensações e cores.

Bosques da Serra da Estrela
Os bosques inconfundíveis da Serra da Estrela - ©Nuno Adriano

Os bosques inconfundíveis da Serra da Estrela

Imaginamos os dias cinzentos de nevoeiro e chuva como algo a evitar e fugir. Dizemos na gíria do dia-a-dia que são dias pesados, amorfos e desconfortáveis. Eu olho para eles de outra forma: são dias que revelam um outro lado da natureza, outros motivos para se fruir o que ela possui. A floresta apresenta-se com outra face, outro pulsar e incontáveis motivos para ser percorrida. Seguindo este repto, lancei o desafio aos meus convidados.

A beleza única da penumbra

Escolhemos as matas profundas da Serra da Estrela, num dia onde a chuva e o nevoeiro marcam presença. Iniciamos a nossa caminhada entrando na floresta cerrada e marcada quase pela escuridão. O silêncio que impera é apenas interrompido pelas gotas que caiem no chão, sobre os nossos casacos e mochilas, transportando-nos para um ambiente de quase pós cataclismo.

A penumbra sempre presente e as cores que se esbatem nestas matas de coníferas colossais reportam-nos a um território tipicamente boreal. Aqui os nossos sentidos são levados ao extremo. Sentir, cheirar e olhar para o que as florestas boreais e bosques da Estrela têm nestes dias é uma experiência que marca qualquer um. As folhas dançam de forma periclitante, empoladas pela brisa fria e as sombras reclamam a paisagem. Este “jogo de protagonismo” faz-nos pensar na nossa vida, no nosso eu, numa espécie de introspeção pessoal.

‘O nevão de folhas’

De um fantástico cenário, passamos para um excelente e, caminhando sem trilho definido, passamos de um mundo boreal, para um mosaico de cores protagonizado por outras espécies arbóreas, tais como, as faias, os carvalhos negrais e os castanheiros. Com o Outono, a natureza inicia a sua “hibernação”. Tudo muda e tudo se transforma de forma radical. A intensidade do vento aumenta, a chuva precipita-se de forma persistente. Todo o cenário está montado para um dos momentos altos desta nossa aventura: o fim de um ciclo alimenta o “nevão de folhas” proporcionado por estas espécies. E o melhor de tudo: nós aqui sozinhos a assistirmos a este espetáculo na fila da frente.

As maravilhas das cascatas

Cai água do céu espraiando-se no solo e escorrendo pelas encostas. Escutando o seu som, qual terapia da mente, sentamo-nos para a nossa merenda do bosque. Comentamos as experiências desta caminhada e de outras, falamos de como ainda é possível existirem estes segredos nos recantos naturais nosso país. Mesmo no meio de um mundo cada vez mais transformado e artificializado pelo Homem, a natureza ainda tem a sua resiliência e detém o seu estatuto imutável. Este local é a prova clara e insofismável disso mesmo. 

 A vida reina no chão

A vida emerge do solo. Nestes dias invernais é no solo que vemos uma vida a fervilhar. Do solo surgem inúmeras espécies de cogumelos dando uma cor especial à nossa caminhada. Aproveitamos para fazer a identificação e conhecer melhor estes organismos vivos que neste período do ano têm o seu auge. Dos comestíveis, aos não comestíveis, dos perigosos aos potencialmente fatais, temos uma verdadeira aula a céu aberto.

Caminhar e envolver-nos na natureza só tem sentido se assimilarmos aquilo que ela é. Só a podemos preservar se a conhecermos e, depois disso, percebermos os diferentes ciclos nos quais ela se rege. No fundo, como seres vivos, também, fazemos parte dela e dos seus ciclos, mas infelizmente parece que nos esquecemos disso. Felizmente, no nosso caso, não.

NOTA IMPORTANTE: No percurso pelos bosques da Serra da Estrela, aconselha-se vivamente a visita com acompanhamento de guia

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