O mundo dos cogumelos, na Serra da Estrela
Num artigo anterior, fiz referência à vida que emerge do chão. Com a chuva deste outono e com as temperaturas amenas, o mundo dos cogumelos reage e estes brotam literalmente, como se diz, que ‘nem cogumelos’. Foi por esta mesmíssima razão que, juntamente com os nossos convidados, fomos conhecer mais por dentro este reino que passa despercebido, num programa turístico a que intitulamos “Vamos aos cogumelos”.
Vistos por olhos experientes.
Chegámos ‘a porta’ de um bosque, à sombra da imponente Serra da Estrela e alimentado pelo ar húmido e fresco do rio Zêzere. O ecossistema perfeito para a proliferação dos nossos ‘amigos’ que salpicam o solo. Aqui encontramo-nos com o nosso amigo, biólogo e especialista em micologia, Jorge Carecho. É um privilégio contarmos com o seu know-how e a sua disponibilidade para nos acompanhar neste programa, que é um mix de contacto próximo e intrínseco com a natureza, com uma introdução ao reino dos fungi.
Pequena aula a céu aberto.
Organizados num círculo, tudo se inicia com a definição do que é um cogumelo, pois é algo que nos escapa frequentemente, mesmo aqueles que os recolhem para fins gastronómicos e que se baseiam na identificação visual ou na experiência que passou de geração em geração, mas que nem sempre é a mais fiável. Ficámos a saber que se trata de um ser mais complexo do que inicialmente prevíamos.
É interessante como começamos a olhar para estes seres de forma diferente, conforme o tempo passa, e obtemos a informação que o Jorge nos transmite: por exemplo, a parte mais identificável do cogumelo muito equiparada a um chapéu, é ‘somente’ a parte mais observável e reprodutora, formada por uns delgados filamentos que se denominam hifas, e cujo todo o corpo se designa de micélio. Quando reunidas as condições ambientais vão-se desenvolver os esporóforos, que resultaram da organização complexa das hifas. São estes esporóforos a que chamamos de cogumelos. Complicado? Tudo na vida, quando se começa, é complicado aos nossos olhos.
A complexidade não se fica por aqui.
Ainda só vamos no início, refere o nosso amigo Jorge, criando uma atmosfera de boa disposição no grupo, algo que é sempre necessário existir. De forma resumida, direta e concisa, explica-nos as várias partes deste ser vivo. Nomes como: cutícula, chapéu, lâminas, poros, anel, pé, volva, base do pé, entre outras, fazem parte do nosso vocabulário para a parte prática, enriquecidas pelas múltiplas formas que várias destas estruturas podem possuir, como é o caso dos diferentes tipos de inserção de lâminas, das formas de chapéu ou do pé, etc. É um mundo muito vasto que só com estudo e prática no seu reconhecimento e manuseamento podemos escalar degrau a degrau.
Da teoria à prática.
Já munidos das nossas cestas típicas, iniciamos a nossa aventura pelo bosque, numa procura atenta por entre a camada densa de folhas que criam o ambiente perfeito para estes seres. Esta é parte que todos ansiosamente esperavam, pois era visível a ânsia e a vontade de os descobrir. E ao descobri-los, tentar identificá-los, apelando à memória e fazendo a interligação com o conhecimento adquirido, das fotografias e desenhos legendados dos vários manuais que tínhamos à nossa frente. Cogumelo a cogumelo, as cestas de verga iam ficando bem recheadas com várias espécies de cogumelos.
A aula a chegar ao fim.
No fim, numa mesa coletiva, cada um de nós colocou o resultado da sua apanha. A curiosidade patente no rosto dos nossos convidados era reinante. Aos olhos atentos do nosso amigo Jorge, cada um mereceu uma observação mais atenta das suas propriedades; das partes constituintes das suas estruturas; dos comestíveis aos não comestíveis e destes aos potencialmente perigosos e, inclusive, fatais. Um a um fomos conhecendo de uma forma mais completa e descobrindo o seu universo secreto. Nomes estrambólicos como Macrolepiota procera (Tortulho); Amanita caesarea (Amanita-dos-césares); Amanita muscaria (Amanita-mata-moscas); Tricholoma equestre (Míscaro-amarelo); Boletus edulis (Boleto) são dos alguns exemplares observados e que passaram, indiscutivelmente, a fazer parte do nosso vocabulário para o que restava do dia.
É esta mais uma das nossas perspetivas de fazer turismo: efetivar a interligação das pessoas com a natureza que as rodeia e que num mundo tão tecnológico, fizeram com que estas se despegassem. Para a entender e preservar, temos que a conhecer nas diferentes facetas que a constituem. Do ser mais simples, ao ser mais complexo. No fundo e como refere David Attenborough, é da mãe natureza que nós humanos também vimos…
Nota: Este programa tem carácter turístico, permitindo às pessoas ficar a conhecer melhor os cogumelos e experienciar, em contexto de natureza, a sua apanha. Não sendo uma atividade formativa, não capacita as pessoas da informação necessária para correta recolha, a correspondente identificação e a garantia de segurança no seu consumo.
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