GUIdance desperta o olhar da criação

A 9ª edição do festival compõe-se com 11 espetáculos, 8 estreias, masterclasses, encontros nas escolas, oficinas para famílias, conferências e debates, de 7 a 17 de fevereiro, em Guimarães

A Oficina
EVERYNESS -©-Denis Kooné Kuhnert

 

A partir desta quinta-feira, 7 de fevereiro, a 9ª edição do GUIdance – Festival Internacional de Dança Contemporânea – desperta-nos para as oportunidades e possibilidades ilimitadas que a criação oferece. E assim, por cima de todo um jogo de tensões, acionado pela imperiosa necessidade de construir futuros, revelam-se riscos fundamentais de propor caminhos não esgotados, não percorridos e por isso de forma desconhecida. Victor Hugo Pontes é o coreógrafo em destaque nesta edição do festival, abrindo o evento com Drama, em estreia absoluta, e apresentando a reposição de Fuga Sem Fim, peça estreada neste mesmo palco corria o ano de 2011. O festival promove duas estreias em Portugal de companhias estrangeiras, convidando a promissora companhia Wang Ramirez para apresentar EVERYNESS e o incontornável Michael Clark que, com to a simple, rock ’n’ roll . . . song., encerrará esta edição. O corredor das estreias desta edição continua a percorrer-se de mãos dadas com os Mão Morta – banda desafiada a desenvolver um projeto inédito juntamente com a coreógrafa Inês Jacques. A marca de origem portuguesa tem presença em peso e reforça-se com as criações de Jonas & Lander, Miguel Moreira (Útero), Sara Anjo, Maurícia | Neves, Ainhoa Vidal, Joana von Mayer Trindade & Hugo Calhim Cristovão. O GUIdance propõe, desta forma, um exercício transformador e vigoroso: a suprema energia do primeiro olhar sobre a criação, com o corpo no centro. Os 11 espetáculos do programa, incluindo 6 estreias absolutas e coproduções d’ A Oficina, repartem-se por vários espaços da cidade de Guimarães até 17 de fevereiro: Centro Cultural Vila Flor, Centro Internacional das Artes José de Guimarães e Fábrica ASA. É aqui que o esplendor de uma cidade de criação se afirma, no desafio de construir um programa inesperado e quase pleno de estreias.

O punk, o drama, a pop, o surrealismo, a beleza mas também o humanismo, a fraternidade e muitas outras relações de cumplicidade, urdidas através do tempo para esta edição, mais do que controladas ou estabelecidas erguem-se contra a previsibilidade e desafiam-nos a rejeitar a ideia de que a compreensão é um dado adquirido. O GUIdance 2019 é, por isso mesmo, um grande atlas dos sentidos que permite múltiplas possibilidades de relação e de significado. Ou seja, estórias à espera de serem vividas por cada um de nós. Deste eternamente jovem festival, emerge pois um desejo: que o mundo avance por novas convicções e que a arte mantenha a sua desobediência aos padrões. É (também) neste esplendor que um território de criação se edifica, no desafio de construir um programa inesperado e quase pleno de estreias.

A 7 de fevereiro, o Drama chega ao Centro Cultural Vila Flor (CCVF) para se estrear pela mão de Victor Hugo Pontes, que prolonga, nesta nova criação, o trabalho laboratorial de procura de uma nova linguagem artística, situada algures entre a palavra e o movimento. Depois de “Se Alguma Vez Precisares da Minha Vida, Vem e Toma-a”, a partir de A Gaivota de Anton Tchekóv (estreia absoluta no GUIdance de 2016), desta feita o ponto de partida é a peça seminal de Luigi Pirandello “Seis Personagens à Procura de Um Autor”. Esta nova coreografia do criador vimaranense chega às 21h30 ao palco do Grande Auditório do CCVF.

O segundo dia do festival resulta de um desafio lançado pelo GUIdance à banda Mão Morta e à coreógrafa Inês Jacques para, em conjunto, desenvolverem um projeto inédito. Desta forma, um grupo de seis músicos e um grupo seis de bailarinos juntam-se para apresentar uma desconstrução do espetáculo de música e de dança. É assim No Fim Era o Frio. A banda – neste caso os Mão Morta, matéria mítica do rock português – cria o cenário onde deambulam os corpos, em movimentos imaginados por Inês Jacques. Com música original de Miguel Pedro e António Rafael e narrativa de Adolfo Luxúria Canibal, “No Fim Era o Frio” terá a sua aparição a 8 de fevereiro às 21h30 na Black Box da Fábrica ASA.

No primeiro sábado do GUIdance, dia 9, a dança tem 3 vidas, com passagens pelo Pequeno Auditório do CCVF (11h00 e 15h00), Black Box do Centro Internacional das Artes José de Guimarães (18h30) e Grande Auditório do CCVF (21h30). O dia começa a sorrir para os mais novos com Um Ponto que Dança, espetáculo-oficina de Sara Anjo, a partir do livro com o mesmo nome que a artista escreveu, com ilustrações de Martina Manyà, que se desenvolve em duas partes: uma leitura encenada da obra e um conjunto de exercícios centrados na ideia de um ponto que dança para crianças e famílias. A dança avança depois para o CIAJG com a estreia absoluta de anesthetize. Há uma associação pouco óbvia entre as ideias de anestesia e movimento, mas é a partir dessa aparente contradição que a prolífica criadora Maurícia | Neves (coreógrafa e performer, mas também autora de instalações e música) fez nascer anesthetize, peça para três corpos femininos com a qual faz a sua estreia no GUIdance. Os últimos passos deste dia serão dados no palco maior do CCVF pela companhia Wang Ramirez. Autores de uma linguagem que cruza hip-hop, ballet e movimentos de artes marciais, a dupla Honji Wang e Sébastien Ramirez tem construído, desde 2010, um sólido percurso que os tem levado a alguns dos principais centros de dança mundiais. A companhia Wang Ramirez estreia-se em Portugal com EVERYNESS, peça que traz para o palco o tema das relações humanas, seja a amizade ou o amor romântico.

A segunda ronda de espetáculos abre, tal como a primeira, com uma peça de Victor Hugo Pontes. Estreado em novembro de 2011, no CCVF, Fuga Sem Fim regressará no próximo dia 13 de fevereiro ao ponto de partida, numa remontagem encomendada pelo GUIdance 2019. Construído a partir de uma ideia de João Paulo Serafim – realizador do vídeo que acompanha a peça –, neste espetáculo Victor Hugo Pontes propõe uma reflexão sobre a ideia de fuga e o ato criativo.

Às 21h30 do dia 14 de fevereiro, outros filhos a Guimarães retornam para mais uma estreia absoluta, desta vez protagonizada pela Útero. O espetáculo Fraternidade I + II, da autoria de Miguel Moreira, é um díptico dividido por um intervalo. Como se fossem duas peças gémeas, ou o lado A e B de um disco. “Fraternidade I + II” é a Útero de Miguel Moreira a perguntar o que quer realmente dizer masculino e feminino, a partir do elo mais forte que liga os seres humanos: a fraternidade. Uma peça repleta disso mesmo, com cocriação e interpretação partilhada por Cláudia Serpa Soares, Francisco Camacho, Luís Guerra, Maria Fonseca, Miguel Moreira, Romeu Runa, Sara Garcia e Shadowmen.

No dia seguinte, à mesma hora, Jonas & Lander (Jonas Lopes e Lander Patrick) viajam até à Black Box da Fábrica ASA para revelar o seu Lento e Largo, um trabalho fabricado no Centro de Criação de Candoso, local onde decidiram aventurar-se no passado mês de novembro para uma residência artística. O interesse da dupla pela robótica enquanto elemento performativo vem de trás, mas nunca deixa de causar estranheza. Em “Lento e Largo”, os robôs que dançam são um dos elementos que contribuem para o que chamam de poética da alucinação. Inspirados pelo surrealismo, reclamam a ficção como espaço que desafia a racionalidade.

No dia de encerramento do GUIdance 2019, o festival volta a fazer uma dança a três passos, percorrendo três dos palcos pisados nesta edição. Às 11h00 e às 15h00, é tempo de navegar pelo Oceano criado por Ainhoa Vidal no Pequeno Auditório do CCVF. A poesia que se pode imaginar a partir dos animais e plantas que se encontram fundo do mar é a matéria a partir do qual se constrói este espetáculo que promete fazer sonhar crianças dos 6 meses aos 2 anos. Ao final da tarde, pelas 18h30, a peça Dos Suicidados – O Vício de Humilhar a Imortalidade de Joana von Mayer Trindade & Hugo Calhim Cristovão estreia-se na Black Box do CIAJG. O trabalho desta dupla é singular pela metodologia de trabalho assente num diálogo entre a experimentação, o pensamento e o discurso crítico. Depois de José Régio e Almada Negreiros, prosseguem a sua investigação sobre escritores portugueses, partindo agora da obra de Raul Leal.

O festival fecha o programa de espetáculos em grande forma com a Michael Clark Company a apresentar to a simple, rock ’n’ roll . . . song. pela primeira vez em Portugal. O grande iconoclasta da dança britânica, Michael Clark, estreia-se desta forma em solo nacional com uma peça em três atos que presta homenagem a três das suas fontes de inspiração musical (Erik Satie, Patti Smith e David Bowie), explorando as principais marcas da linguagem artística deste criador: o esbatimento das fronteiras entre o bailado clássico e a dança contemporânea, a moda, a música e as artes visuais. Um momento singular para testemunhar a partir das 21h30 no Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor.

As essenciais atividades paralelas juntam-se ao cartaz principal ao longo de toda esta edição do GUIdance, agregando público, artistas, escolas e pensadores. Destas fazem parte as masterclasses (8 e 15 fevereiro) – experiência única de trabalho criativo que permite a bailarinos/as e alunos/as de dança de nível avançado um contacto privilegiado com alguns dos mais conceituados criadores internacionais da dança contemporânea, nesta edição orientadas pelas companhias Wang Ramirez e Michael Clark –, conferências nas escolas com Cláudia Galhós (7, 8, 13 e 14 fevereiro) – uma espécie de aula-conferência sobre a história da dança contemporânea, com a jornalista e crítica de dança, na qual se misturam olhares e processos da criação artística ao longo dos tempos – e debates (9 e 16 fevereiro) moderados pela mesma, Talks pós-espetáculo com alguns dos criadores (9, 13 e 16 fevereiro), oficinas para famílias orientadas por Ángela Diaz Quintela (10 e 17 fevereiro) – com inspiração no movimento, olhando para a arte como território de experiência e de liberdade, um diálogo entre o corpo, o museu, a memória e a imaginação – e ainda encontros que levarão Adolfo Luxúria Canibal e Victor Hugo Pontes às escolas do concelho de Guimarães, os quais assumirão o papel de Embaixadores da Dança (5 e 11 fevereiro), partilhando o seu percurso, a sua experiência de vida e as suas visões artísticas em contexto de sala de aula.

À semelhança dos anos anteriores, as apresentações do GUIdance desdobram-se entre vários espaços da cidade de Guimarães e os bilhetes já se encontram disponíveis nos pontos de venda habituais: bilheteiras do CCVF, do CIAJG e da Casa da Memória, bem como nas Lojas Fnac e El Corte Inglés, e via online em www.ccvf.pt e oficina.bol.pt. O preço dos bilhetes varia entre os 2 e os 10 euros e há ainda a possibilidade de adquirir diferentes assinaturas para o festival que permitem assistir a 3, 4 ou 5 espetáculos à escolha, pelo valor de 20, 25 ou 30 euros, respetivamente. O programa completo do GUIdance pode ser consultado em www.ccvf.pt.