Perfil Rock in Rio 2022 – Vado: “A música para mim foi um aconchego, uma salvação”

Vado pisou pela primeira vez os palcos do Rock in Rio no passado sábado e levou consigo – de forma física e espiritualmente – todo o seu passado do Bairro 6 de maio. “Esta é a história de todos nós e não deixo ninguém para trás”.

Vado no Rock in Rio
Perfil Rock in Rio 2022 – Vado: “A música para mim foi um aconchego, uma salvação” - ©Armando Saldanha (Aldrabiscas)

Vado Más Ki Ás terminou o concerto este sábado no Rock In Rio da mesma forma como o tinha começado: a saltar, de sorriso na cara e sempre a pedir ao público que seguisse os seus passos. Vado, o rapper da Amadora, estreara-se no palco Yorn do Rock In Rio Lisboa, pelas oito da noite e, acompanhado por um panorama tão lisboeta, trouxe consigo os abraços cálidos e as histórias de sobrevivência do Bairro 6 de maio. Com uma presença pulsante, arejada e radiante, apresentou-nos essencialmente o novo EP, Rosas e Espinhos, para uma plateia que parecia grande demais para o espaço que o recinto guardara. “Amor Próprio” e “Segredos” fizeram-se ouvir com a euforia da camada jovem que fazia a maioria; no entanto, foi a tão esperada “Controla”, com a companhia dos vários rappers que convidava, que instaurou oficialmente a festa. Conversámos com Vado momentos depois do espetáculo no Palco Yorn do Rock In Rio. Ainda incrédulo, falou-nos do caminho feito até aqui e de como as grandes conquistas da vida nunca são feitas a solo.

Já lá vão oito anos desde o teu primeiro disco, “Longa Caminhada”. Desde então, tem sido mesmo uma longa caminhada até chegares aqui ao Rock in Rio?

Foi uma longa caminhada. Custa sempre, mas é verdade quando dizem que o otimismo abafa o negativismo. Eu acho que esta longa caminhada se faz passo a passo, com fé em Deus, em todo o nosso percurso; com fé nos jovens que nos dão tanto amor, nos nossos fãs que são cada vez mais felizmente.

O papel dos jovens é de facto importante neste teu percurso. Há três, quatro anos, foi publicado um estudo que defendia que o Hip-Hop era o estilo musical mais influente de sempre. Sendo tu um filho do Hip-Hop português, como achas que está a ser criada esta nova geração de rappers?

Cada um faz da sua forma, transmite a sua mensagem. Posso falar de nós e a nossa mensagem é inspirar sempre os jovens a jogar futebol, a fazer arte, a caminhar sempre no melhor caminho. Seja dentro ou fora do bairro, queremos que dizer-lhes para meter a cabeça nos estudos para terem uma possibilidade melhor e serem patrões deles mesmos. Para os jovens: nunca devem desistir daquilo em que acreditam.

No teu caso, quando começaste, qual era o papel do Hip-Hop durante as tuas vivências na Amadora?

O Hip-Hop moldou-me com disciplina e sabedoria: inspirou-me para estudar mais, deu-me mais conhecimento – conhecimento este que foi ganho ao longo da minha vida e da minha carreira. É claro que passei por coisas que me deixaram mais duro, mas graças a Deus, aos meus amigos, à minha família, estamos todos aqui. Esta não é só a minha história, é a história de todos nós e eu não deixo ninguém para trás porque houve sempre pessoas que me estenderam a mão e que me apoiaram. E hoje estamos aqui em palcos grandes.

Mas já tivemos em palcos pequenos; aliás, a primeira vez que atuámos foi mesmo no nosso bairro. A evolução até ao Rock in Rio foi feita com a possibilidade de apresentar o nosso trabalho, de onde viemos, quem nós somos, a nossa cultura, as nossas lutas – estamos aqui a trazer tudo. É isto que nos faz viver.

O Hip-Hop, a música no geral, não foi o teu plano inicial. Tiveste uma pequena carreira no motociclismo. Como foi feita esta mudança? E porquê?

Esta mudança foi através da minha vida pessoal. Tive de sair das corridas e, atenção, que eu fazia corridas com o Miguel Oliveira. Eu podia ter sido o Vado, o colega do Miguel Oliveira. Infelizmente perdi a minha mãe e o meu irmão e essa altura complicada fez-me virar para a música porque tinha de desabafar e de tirar tudo isto que tinha cá guardado. Eu era um puto de 13 anos, não sabia muita coisa, como é que se cria uma criança nestes ambientes? Então a música foi mesmo um aconchego, uma salvação.

Mas música acaba por aliar essas tuas vivências tão pessoais a uma audiência enorme, de forma a tornar as tuas próprias mágoas numa linguagem universal…

Exato. Temos de sermos fiéis a nós próprios. Temos de nos amar e só assim é que podemos amar o próximo. Isto faz-nos crescer, o verdadeiro valor das pessoas. Foi nesse momento, por exemplo, que vi a importância da minha família, de todas as pessoas que me acompanham todos os dias. Estamos aqui a triunfar, a celebrar cada vitória nossa. Às vezes parece que a vida só nos quer derrubar – eu próprio nunca me imaginava a fazer isto, sempre pensei que ficasse nos meus sonhos –, mas cá estamos nós no Rock in Rio [risos]. Para todos os meus manos que não conseguiram, que partiram mais cedo, vítimas de abusos policiais; tenho manos que ainda estão presos e que não tiveram as mesmas oportunidades que eu. Eu tive esta oportunidade e quero usá-la para levar comigo todos nós. Quero dá-la a mais pessoas, a mais jovens.

Qual é a reação cada vez que regressas ao teu bairro na Amadora?

É gratificante, mano! Sinto-me em casa e estarei sempre em casa. Fumo a minha ganza tranquilo. Os bófias já não me chateiam porque sabem quem eu sou e que não faço mal a ninguém. Estou ali com os meus amigos a tentar fazer uma mudança a tirar os jovens dos maus caminhos. Sabemos que a música, a arte, o futebol, a patinagem, aquilo que os jovens querem fazer, não interessa: façam-no e façam-no bem. Não entrem no mundo da droga, o crime que só vos levará para os maus caminhos. Sigam a arte!

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